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Mudança de paradigma é necessária para reverter processos de desertificação, diz Edneida Cavalcanti

Em entrevista à Coletiva, pesquisadora da Fundaj fala sobre os desafios do Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAB)


Foto de Gilbués, no Piauí, cidade que passa por processos de desertificação. Foto: Arnaldo Sete/ Marco Zero Conteúdo

Por Maria Carolina Santos


Não mais só um combate à seca, mas também uma convivência com o semiárido, com suas limitações e potências. É nessa linha de pensamento que o Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAB) vem se estruturando com mais de uma dúzia de escutas por todas as regiões do Brasil. 


O Plano que está sendo discutido é uma atualização do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN Brasil), lançado em 2004 pelo Governo Federal e que fomentou algumas políticas públicas postas em ação nessas duas últimas décadas. Agora, o PAB tem como meta propor e planejar ações estratégicas concretas de curto, médio e longo prazos em três eixos: combater a desertificação, mitigar os efeitos das secas e prevenir e reverter os quadros de degradação da terra.


A expectativa é de que um documento final – seja o próprio plano ou uma nota técnica – fique pronto ainda neste ano e seja apresentado na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29), que acontecerá de 11 a 24 de novembro, em Baku, capital do Azerbaijão. 


Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Edneida Cavalcanti é uma das coordenadoras do PAB e, em entrevista para a revista Coletiva, falou sobre os desafios impostos pelos processos de desertificação, que atinge mais fortemente os estados do Nordeste e o Norte de Minas Gerais. 


Confira abaixo a entrevista.


O que significa uma área em processo de desertificação?

A gente usa o conceito da Convenção de Combate à Desertificação que coloca a desertificação, por definição, como a degradação da terra nas regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas. É a degradação da terra, entendida como degradação do solo, dos recursos hídricos, da cobertura vegetal e da condição de vida das populações. Uma primeira distinção que precisamos fazer é que não necessariamente o processo da desertificação leva à criação de um deserto. Os desertos são ecossistemas em equilíbrio onde, ao longo de milhares de anos, sob determinadas condições, existe uma aridez extrema que dá certas características a esses lugares. E aí há desertos dos mais diferentes tipos, desde desertos tropicais até desertos de altitude, como o do Atacama, no Chile. 


Esse termo pode confundir?

Sim, porque, inevitavelmente, a gente remete a que vai se formar um deserto. Isso é verdadeiro para determinadas situações. Por exemplo, no auge da discussão em que essa temática aparece, nos anos 1970, estava tendo uma grande seca na região do Sael, no norte da África. E lá, efetivamente, você pode ter um avanço do deserto por processos de degradação no entorno. Mas não é essa a situação dada quando falamos no processo de desertificação do mundo como um todo. É pior que um deserto: porque você compromete a capacidade produtiva dentro daquele contexto. A Convenção de Combate à Desertificação faz um recorte climático para falar das áreas que são suscetíveis de ocorrer esse processo. Esse recorte vai partir do índice de aridez, ou seja, esse balanço entre o que chove e o que se perde potencialmente para a atmosfera, a evapotranspiração potencial. São as regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas. Dentro dessas áreas há características muito diversas. Aqui, principalmente no Brasil, quando pensamos no nosso clima semiárido e subúmido seco, a gente tem inúmeras feições desse semiárido e subiúmido seco. O temos, de uma maneira geral, é esse recorte climático. Então, teoricamente, toda área árida, semiárida e subiúmida seca é suscetível ao processo de desertificação. 


Edneida Cavalcanti é coordenadora do Centro de Estudos em Dinâmicas Sociais e Territoriais (Cedist) da Diretoria de Pesquisas Sociais (Dipes). Foto: MCS/ Coletiva

Quais os indicadores usados para identificar as áreas em processo de desertificação?

Isso tem um histórico longo de discussão. De uns tempos para cá, a Convenção vem adotando alguns indicadores que permitem observar essa questão. Esses indicadores envolvem produção primária, carbono no solo e cobertura vegetal. Para efeitos do trabalho agora de revisão do PAB, o grupo do Observatório da Caatinga e da Desertificação, que fica em Campina Grande, adotou esses três indicadores e produziu o que eles nomearam como mapa da degradação. Hoje, a gente já consegue identificar onde existem áreas já mais degradadas, porque eles criaram um ranking de degradação. Isso no nível de sensoriamento remoto. Ou seja, aprofundar isso requer que tenhamos investimentos em pesquisas que permitam que a gente mergulhe um pouco mais nessas realidades, vá a campo, porque são indicadores basicamente biofísicos. Eles não estão levando em consideração aspectos socioeconômicos e políticos. E isso agrega outras condições a cada um desses espaços.

O primeiro plano de combate à desertificação é de 2004. Ele chegou a ser implementado? 

 De alguma forma, ele foi implementado. Porque, na verdade, a desertificação é um tema bastante amplo e que, por definição, já remete à necessidade de articulação com outras políticas públicas. Eu diria até que nenhuma política pública é implementada de forma desconectada com outras pautas. O PAN Brasil, de 2004, foi sendo executado a partir de iniciativas como a implementação do Programa Um Milhão de Cisternas, com outras iniciativas do próprio Ministério do Meio Ambiente, com políticas afirmativas, sociais, um conjunto de medidas. Mas essa pauta, e a pasta que cuida do tema dentro do Ministério, passou por posições muito diferentes ao longo do tempo, ora com maior protagonismo, ora praticamente sem nenhum tipo de reconhecimento.


Qual a importância de atualizá-lo agora?

Todo plano e programa precisa ser revisado. E isso está sendo feito depois de 20 anos, coincidindo com a retomada da pauta dentro do Ministério do Meio Ambiente, com a criação de um departamento. É um tema que hoje tem um status melhor dentro do Governo Federal. Não é uma secretaria, mas é um departamento.

O PAB contou com seminários em todos os estados do Nordeste. Quais os temas que mais se repetiram nas escutas da população?

É muito forte essa questão de se caminhar para processos de neutralidade da degradação da terra, que é um conceito, inclusive, que a Organização das Nações Unidas (ONU) coloca. E essa neutralidade requer que a gente tenha um processo bastante intensificado de diminuição do desmatamento da Caatinga. A neutralidade significa trabalharmos com três grandes diretrizes, que é buscar minimizar novos processos de degradação, recuperar essas novas áreas e evitar que entrem em processos de degradação. O tema do desmatamento, então, é central. E  também a restauração dos ecossistemas. Outro aspecto foram as energias renováveis. Esse tema veio com bastante força nos seminários por conta da maneira como isso é estruturado e como isso tem chegado nas comunidades, gerando, inclusive, processos de desmatamento e degradação, ao ponto de um dos estudos do MapBiomas apontar as energias renováveis (como a instalação de eólicas) como um vetor novo de degradação dentro do semiárido. Da mesma forma, também aparece o impacto da atividade agrícola de forma forte em estados como Piauí e Maranhão, que estão na fronteira do chamado Matopiba (acrônimo que denomina a região que se estende pelos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). Nos seminários também apareceu forte o apoio à agricultura familiar para que possa ser feita a conversão para uma agricultura mais sustentável.


"A desertificação é um tema bastante amplo e que, por definição, já remete à necessidade de articulação com outras políticas públicas. Eu diria até que nenhuma política pública é implementada de forma desconectada com outras pautas"

A agroecologia tem então um papel importante nesse processo?

É muito demarcada a questão da agroecologia como sendo um princípio, mais do que um modelo, que auxiliaria essa recolocação da agricultura familiar na lógica mais da sustentabilidade e com retorno para os agricultores e agricultoras.


A terra que está em processo de desertificação, que está degradada, tem ainda como ser recuperada? Vai depender do nível em que ela esteja e de suas características. Às vezes existem áreas em que o custo econômico é tão alto e a incerteza de que você tenha um êxito é tanta que muitas vezes a indicação é de que se busque não interferir, se busque sanar as possibilidades de extensão do processo de desertificação e apostar na recuperação da área. Deixar a terra lá para ver o que a natureza consegue recuperar. Se é um processo de erosão intenso, buscar que ele não se expanda. E verificar como é que aquelas áreas conseguem ter recursos próprios para se regenerar. 

O PAB de 2004 colocou a irrigação como um dos fatores do processo de desertificação em áreas da Bahia e de Pernambuco. Por que isso ocorre?

A irrigação mal conduzida é a que acelera esse processo. De uma maneira geral, principalmente os perímetros irrigados mais antigos, o modelo tecnológico da irrigação não era o que a gente tem hoje em termos de tecnologia, de microaspersão, de ter todo um acompanhamento técnico, inclusive da quantidade que a planta precisa de água. Eram processos de uma irrigação por aspersão que, em função das características do solo e do clima, o que acontecia é que acabava fazendo com que houvesse um processo de salinização do solo. Ou seja, alguns componentes do solo, alguns sais, eram trazidos para a superfície e inviabilizavam aquelas áreas. Para algumas áreas, a irrigação inadequada trouxe processos de salinização, que é uma das características de áreas em processo de desertificação. A desertificação é desencadeada por processos que podem ter muita relação com a variabilidade climática que tem nessas áreas suscetíveis. Aqui no Nordeste a gente tem como característica um clima semiárido que, naturalmente, já tem embutido nele a presença de secas periódicas. Secas de grande porte podem ser um vetor de desencadeamento do processo de desertificação. Hoje, a gente diria que até isso tem um componente humano porque o incremento dos eventos extremos está relacionado com as mudanças climáticas de origem antrópica. 

Quais  as ações humanas que contribuem para o processo de desertificação?

Se consensuou, ao longo dessas discussões, desde os anos 1970, que há alguns grandes blocos de atividades humanas que podem potencialmente desencadear o processo da desertificação, fora esse outro bloco que diz respeito à variabilidade climática. Um deles é o sobrepastoreio, que é você colocar em uma determinada área um número maior de cabeças de gado do que aquela área suporta. Isso gera pisoteio do solo, compactando o solo, gerando uma sobrecarga, inclusive, no consumo da vegetação nativa. 

Um outro bloco é uma agricultura insustentável, uma agricultura que deixa de ter técnicas de conservação do solo, técnicas que permitam que você utilize aquela área de uma maneira saudável durante um tempo mais prolongado. Isso pode gerar processos erosivos, tanto esses mais visíveis que a gente vê no terreno, como outro que é muito silencioso, que você olha e não vai ver registro de erosão, mas, efetivamente, a riqueza do solo já foi toda levada embora.

E tem também a irrigação mal conduzida, que já falamos, que é essa que não faz o preparo necessário para que se evite a salinização. E processos também ligados à mineração, como a exploração de determinados minerais em que você não faz os procedimentos posteriores à extração e simplesmente abandona as minas, o que pode evoluir para um processo de erosão também acelerada. 


"A descontinuidade das ações é algo muito sério, que compromete recursos financeiros e recursos humanos. Impede que a gente, efetivamente, consiga perceber alguns avanços".

Quando a gente fala de semiárido, muita gente pensa que é apenas zona rural, mas há cidades com populações expressivas. O semiárido brasileiro é o mais populoso do mundo, com 28 milhões de habitantes. Como é que essa população urbana está sendo incluída nesse plano? Quais são os desafios em ter essa população urbana tão grande?

É interessante isso que você traz porque as cidades de porte médio têm crescido, essa maior concentração urbana é uma realidade também para o semiárido. Por mais que você tenha muitas características dentro do semiárido das pessoas morando na cidade, mas mantendo atividades na área rural, isso é algo que tem uma discussão grande. O que é a população urbana quando se refere ao semiárido? E entender que, no urbano, também se produz significados, produz lógicas que se sobrepõem, inclusive, ao mundo rural. A cidade também é um lugar em que precisamos atuar porque se precisa mudar alguns paradigmas. Então, efetivamente, essas cidades também são indutoras de alguns vértices de pressão e degradação dentro desse universo tão diverso que é o nosso semiárido. É um ponto que a gente precisa efetivamente considerar e isso apareceu também dentro dos seminários. 

Como é que você avalia o que vem sendo feito no Brasil desde que se diagnosticou que há áreas em processo de desertificação?

Há uma preocupação maior agora, já que a coisa está mais séria. É importante frisar que é uma discussão que acontece desde os anos 1970, quando o Brasil participou da Conferência das Nações Unidas sobre Desertificação, através de Vasconcelos Sobrinho, que é considerado um ecólogo, uma referência aqui para o Nordeste. Ele já trazia nos estudos dele a identificação do que ele chamava de núcleos de desertificação. Isso estava muito baseado em uma pesquisa de campo dele. Ou seja, circulando pelo interior do Nordeste semiárido, e conhecendo já estudos relacionados ao solo, ele já conseguia perceber áreas em que se colocava esse processo como algo importante. Há uma série de estudos posteriores, de instituições como a Universidade Federal do Piauí (UFPI) e da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que dão um contorno melhor a esse tema. Inclusive trabalhando essa questão dos indicadores, o que se usa para dizer que essa área está sendo desertificada, em que grau ela está. Isso vai dando mais robustez e mais elementos para se discutir esse tema. A grande questão é de que a gente tem, do ponto de vista de estrutura mesmo, do arcabouço institucional e legal, uma instabilidade grande em termos de governo. 

Não há política de Estado.

Não há e isso compromete bastante. O Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca. Tivemos tempos favoráveis como o do próprio PAN Brasil 2004, que foi construído a partir de um processo de escuta. Mas a descontinuidade das ações é algo muito sério, que compromete recursos financeiros e recursos humanos. Impede que a gente, efetivamente, consiga perceber alguns avanços. A nota técnica do INPE e do SEMADEM, por exemplo, que demonstra o crescimento das áreas de desertificação do semiárido, precisa ser vista dentro de um contexto, porque trabalha a questão do índice de aridez, que não é algo fixo. Então, certamente, essa área aparece maior em decorrência do período da grande seca de 2012 a 2017, que interfere no cálculo. Você vai me perguntar, mas isso então é bom ou ruim? Isso é um alerta. Porque se essa seca persiste vai consolidando essa área numa condição que é mais precária em termos de recursos hídricos, mesmo as que estão próximas ali do rio São Francisco. Há também dunas naturais naquela região que podem parecer desertificação, mas não são. Daí a complexidade que temos, a necessidade de cada vez mais as pessoas poderem estar compreendendo e acompanhando o tema. Temos três grandes convenções das Nações Unidas e elas deveriam ser tratadas e implementadas de forma conjunta: a da desertificação, da mudança climática e da diversidade biológica. Elas estão intrinsecamente relacionadas. Quando eu digo que um problema sério do semiárido é o desmatamento, principalmente da caatinga, eu estou dizendo que, ao desmatar, eu também comprometo a captura de CO2. Ao desmatar, eu perco biodiversidade. E, ao desmatar, eu exponho os solos a um processo de ação do clima que pode comprometer a capacidade produtiva daquele solo. 


"A lógica de que a tecnologia resolve tudo é algo que a gente precisa reprogramar na nossa cabeça"

Há por vezes um discurso apocalíptico quando se fala em mudanças climáticas, como o ponto de não retorno da Amazônia, como se nada mais pudesse ser feito. E aqui, nesse processo de desertificação no Nordeste, ele pode ser resolvido pelo Nordeste mesmo ou depende também de mudanças globais?

Aquela velha frase, tudo está interligado, é verdadeira, porque no planeta Terra tudo circula. Circula nas correntes oceânicas, circula na atmosfera, então as coisas não estão circunscritas a um recorte político-administrativo quando se trata de elementos da natureza, ciclos e processos da natureza. Mas, ao mesmo tempo, as possibilidades de mudança estão inscritas onde as pessoas atuam, nos territórios, nos estados, nos estados-nação, então isso precisa ser visto também por essa perspectiva. Concretamente, eu sempre digo que é trabalhar olhando o quintal de casa, mas entendendo que ele faz parte do planeta. Isso que você traz é uma realidade, ou seja, a gente tem muitas notícias, nas mais diversas mídias, desse tom apocalíptico, acho que isso às vezes inibe um processo mais proativo, é como se não tem jeito, então eu vou é curtir minha praia.

Por outro lado, a gente não pode menosprezar os dados que estão colocados. Quando a gente fala de mudança climática, não necessariamente vai ter aqui no Recife o frio do curta de Kleber Mendonça Filho (Recife frio, de 2009), nevando, a gente podendo esquiar no Rio Capibaribe, coisas do tipo. Mas temos mudanças nos padrões de chuva, ou seja, eventos extremos: pode ter a mesma quantidade de chuva, só que, ao invés de ser distribuída em três meses, vai ser em apenas um. Isso traz uma dinâmica totalmente diferente para a vida das pessoas, além dos riscos de deslizamentos, enchentes. A mesma coisa vale para as secas. Eu posso ter esse mesmo padrão de semiaridez, só que ao invés de eu ter quatro meses de chuva, e as chuvas relativamente distribuídas nesses quatro meses, eu posso ter nesses quatro meses o que os estudiosos chamam de veranico, ou seja, um período prolongado de estiagem no período chuvoso, que é justamente onde se planta, onde a agricultura de subsistência está estruturada. Então, eu mudo totalmente a questão da dinâmica da produção de alimentos. A mudança climática é sobre isso, não é necessariamente que  vamos ter uma reviravolta. Temos que nos adaptar, inclusive a agricultura, a essas mudanças.

E como é que você vê o futuro? O que é que precisa ser feito para que a convivência com essas mudanças, principalmente no campo, seja menos traumática? Eu me lembrei agora de uma música do Beto Guedes (Sol de primavera) que diz assim: “a lição sabemos de cor / só nos resta aprender”. Então, a lição acho que está dada pelos estudos, pela ciência e pelo que acompanhamos. Não são mais cenários, são eventos que estamos acompanhando ao longo dessas últimas décadas. Há muita coisa já produzida, bastante conhecimento, só nos resta aprender, porque acho que temos uma dificuldade grande de mudar paradigmas. Temos nossa formação acadêmica e nossa formação enquanto sociedade muito arraigada a uma lógica, principalmente no mundo ocidental, da previsibilidade da ciência enquanto capacidade de controle. Mas o que se vê com a questão das mudanças climáticas é a necessidade de se resgatar essa perspectiva da incerteza, da imprevisibilidade. Tem um autor que gosto muito, que se chama Enzo Tiezzi, que fala muito dessa questão do distanciamento entre a nossa capacidade de produzir tecnologia e conhecimento e a de acompanhar os efeitos e os desdobramentos disso na dinâmica do mundo, onde não temos o controle. Uma coisa é o laboratório, outra coisa é, por exemplo, quando a gente coloca os transgênicos no mundo, você não tem mais o controle absoluto disso. Quando a gente usa veneno – veneno, inclusive, condenado em outros países – não sabemos mais o que vai acontecer. O microplástico que está na ostra e no marisco que você vai consumir de repente está no teu organismo. Esses efeitos a gente não controla. 

Por outro lado, há uma carga também de experiências e de olhar para essa questão da ancestralidade, do que povos e comunidades tradicionais têm de bagagem de conhecimento nessa outra forma de relação com os elementos da natureza não humana. Isso se juntando a esses esforços também da ciência, das práticas de convivência, têm muito a oferecer. A questão é de como é que isso compete com essa outra lógica do imediatismo, de uma produção gananciosa que não conta em pensar no amanhã. É o lucro no primeiro momento e depois a gente dá um jeito. A lógica de que a tecnologia resolve tudo é algo que a gente precisa reprogramar na nossa cabeça.


A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação da revista Coletiva e da autoria do texto.



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