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Camisa usada pela seleção feminina em 2011 e autografada pela jogadora Marta. Foto: Túlio Velho Barreto/Acervo pessoal.

Política e

Cidadania

Editor temático: Túlio Velho Barreto

nº 23 | 20 de julho de 2023

Futebol é esporte de mulher: apartheid à brasileira excluiu a participação feminina no esporte bretão

Túlio Velho Barreto

Apesar de as jogadoras e a seleção brasileira de futebol feminino terem alcançado expressivas conquistas, individuais e coletivas, é notório que ainda lutam, no Brasil, para terem o merecido reconhecimento por parte de torcedores e torcedoras, mas sobretudo de dirigentes das diversas entidades futebolísticas, de clubes e patrocinadores. Foi apenas em 1986, por exemplo, que ocorreu a primeira partida oficial de nossa seleção feminina, que se prepara para entrar em campo nas próximas horas e disputar a nona edição da Copa do Mundo de Futebol Feminino da Fifa, desta feita na Austrália e na Nova Zelândia. Já a seleção brasileira masculina, estreou em 1914.

O campeonato mundial será mais uma oportunidade (provavelmente a última) para assistir a Rainha Marta, a melhor jogadora de futebol de todos os tempos, disputando uma Copa do Mundo. Ela, que já venceu o prêmio da Fifa de melhor jogadora do mundo por seis vezes, sendo cinco delas consecutivas, é a maior artilheira brasileira de seleções, entre homens e mulheres, e das Copas, independentemente do gênero.

Na mesma pisada, outra jogadora da seleção, Cristiane, foi duas vezes eleita a terceira melhor jogadora do planeta e é a maior artilheira das Olimpíadas (também entre mulheres e homens). Ambas jamais tiveram a mesma exposição e reconhecimento no Brasil do que Neymar, por exemplo, apesar de este nunca ter ganho o prêmio da Fifa. Enquanto Formiga, uma jogadora-símbolo de nossa seleção, é a segunda atleta com mais partidas disputadas por uma seleção em Copas do Mundo e a única a disputar sete edições de Mundiais e Olímpiadas, entre homens e mulheres, além de ter participado de todos os torneios continentais e mundiais em que o Brasil ficou nos quatro primeiros lugares.

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Imagem 1 - Cristiane, Formiga e Marta vestindo a camisa da seleção. Foto: Divulgação CBF. 

No plano coletivo, sobretudo diante do apoio absolutamente desigual que as mulheres recebem, a seleção feminina também já obteve resultados expressivos: foi quarto lugar nos dois primeiros torneios de seleções femininas em Olimpíadas; em edições seguintes bateu na trave e obteve duas medalhas de prata; venceu três Panamericanos e é a atual tricampeã da Copa América e já foi vice-campeã mundial. O torneio que começa exatamente agora será um desafio e tanto em se tratando de uma geração de jogadoras que fazem a transição entre a geração de Formiga, Cristiane e Marta, sendo que apenas a última estará nesta Copa, a comandá-la. O resultado? Bem, o Brasil não está entre as seleções favoritas, mas isso é irrelevante diante dos históricos desafios ainda enfrentados pelas mulheres em campo – e fora deles, é claro.

A EXCLUSÃO DAS MULHERES NO FUTEBOL BRASILEIRO

Ressalte-se que todas essas conquistas individuais e coletivas são bem recentes (quase todas neste século) e por uma razão: o enorme preconceito contra a participação feminina no esporte considerado, aqui e alhures, como masculino. O preconceito que pretendeu – e conseguiu durante um século – excluir as mulheres do esporte mais popular do mundo, contribuindo para que elas ficassem quase ‘invisíveis’ também nessa importante prática social. E, portanto, ainda mais limitadas nos espaços públicos.

De fato, criado por homens na Inglaterra, em 1863, o moderno futebol chegou ao Brasil no fim do século XIX. Assim como no país europeu, aqui o futebol também se estabeleceu como espaço masculino e elitista. Ele apenas deixou de ser um esporte de elite quando incorporou jogadores negros e adotou o profissionalismo, mas isso não significou o fim de todos os preconceitos, uma vez que ainda persistiu o controle dos homens sobre o esporte. Porém, tal fato ocorreu não por falta de interesse e iniciativas das mulheres. Por exemplo, ainda em 1892, na Escócia, houve a primeira partida entre times femininos. Em 1895, a primeira entre seleções da Inglaterra e Escócia. No Brasil, há indícios de partidas entre mulheres em 1908-09, mas o primeiro registro histórico de uma partida foi em 1921, em São Paulo. Logo depois, as mulheres passaram a ser toleradas, quando muito, apenas como espectadoras. Às vezes, nem isso.

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A exclusão das mulheres de um espaço social, que os homens consideravam seu, foi consagrada em lei pelo governo em 1941, quando Getúlio Vargas editou o Decreto Lei 3199, criando o Conselho Nacional do Desporto. Nele, lia-se: “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”. Era uma espécie de apartheid, embora as mulheres resistissem, criassem times quase clandestinos e praticassem futebol sem caráter competitivo. Tal medida resistiu à redemocratização de 1946 e foi ratificado pelos militares em 1965, só sendo revogado em 1979.

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Tais restrições deram vazão ao machismo, socialmente aceito e incentivado, criando, também no futebol, uma reserva de mercado de trabalho masculino ao mesmo tempo em que ‘condenaram’ mulheres-jogadoras ao espaço privado da casa e da família. É tal realidade que, no passado, as pioneiras e, neste século, Formiga, Marta, Cristiane e tantas outras tentam vencer. Com isso, além de encantar com o seu futebol, superar tal estado de coisas é apenas uma de suas muitas lutas.

O AUTOR

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Túlio Velho Barreto é graduado em Ciências Sociais e mestre em Ciência Política, ambos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É pesquisador e docente do Mestrado Profissional em Rede Nacional de Sociologia (ProfSocio), da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), onde ingressou em 1984. Foi Coordenador Geral de Estudos Sociais e Culturais da Fundaj, entre 2012 e 2014, Vice-coordenador do Mestrado Profissional em Ciências Sociais (MPCS/Fundaj), de 2013 a 2017, e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Sociologia do Futebol (Nesf-Fundaj/UFPE), de 2006 a 2014. Atualmente, é diretor de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca/Fundaj).  

COMO CITAR ESSE TEXTO

BARRETO, Túlio Velho. Futebol é esporte de mulher: apartheid à brasileira excluiu a participação feminina no esporte bretão. (Artigo). In: Coletiva - Política e Cidadania. nº 23. Publicado em 20 jul. 2023. Disponível em:<https://www.coletiva.org/politica-e-cidadania-n23-futebol-e-esporte-de-mulher-por-tulio-velho-barreto>. ISSN 2179-1287.

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