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Governos se voltam para as periferias
Secretaria Nacional de Periferias investiu R$ 7 bilhões neste ano nas favelas e comunidades urbanas. No Recife, prefeitura pegou empréstimo R$ 2 bilhões para seis anos de obras para tentar minimizar crise climática em 40 comunidades
Reportagem: Maria Carolina Santos
Revisão e Edição: Cristiano Borba
Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
As periferias nunca foram tão discutidas nas políticas públicas do Brasil. Quando se começou a definir a composição do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), após as eleições de 2022, ficou evidente que esses territórios teriam que ter mais destaque do que nos governos anteriores do PT. Afinal, são 16,4 milhões de pessoas que moram em favelas e comunidades urbanas, representando 8,1% da população brasileira, segundo dados do Censo Demográfico de 2022. Um aumento de pouco mais de 2% em relação ao último levantamento, de 2010.
No primeiro governo Lula houve uma conquista dos movimentos sociais que defendem a reforma urbana com a criação do Ministério das Cidades. Já naquela época, há mais de 20 anos, se cobrava um espaço para as populações mais vulnerabilizadas. “Na transição, durante a formação do atual governo, essa discussão voltou à tona e se optou pela criação da Secretaria Nacional de Periferias (SNP) dentro do Ministério das Cidades, que foi recriado. Movimentos sociais e instituições que formulam e elaboram a política urbana no Brasil novamente se uniram e lutaram por essa secretaria”, conta o chefe de gabinete da SNP, o arquiteto e urbanista Vitor Araripe.
Na prática, a Secretaria Nacional de Periferias, inédita na estrutura de um governo federal brasileiro, é um espaço institucional que conecta vários assuntos relacionados às periferias. Como está no Ministério das Cidades, é uma secretaria com atribuições que não fogem das atribuições do Ministério, com muitas obras de infraestrutura. São as prefeituras que executam as obras, com recursos da secretaria.
Em 2024, a SNP investiu, no âmbito do Novo PAC, R$ 7 bilhões na urbanização de favelas, como obras de contenção de encostas, drenagem e regularização fundiária. A previsão para 2025 é de um orçamento próximo ao deste ano. “É suficiente para tocar as obras que estão sendo contratadas”, avalia o secretário da pasta, Guilherme Simões (confira entrevista abaixo). “É evidente que as favelas do Brasil têm uma demanda represada histórica. É difícil dizer o orçamento necessário para resolver o problema. Nós estamos retomando investimentos e é uma forma também de induzir municípios e governos estaduais a voltarem a investir mais pesado nesses territórios”, afirma Simões.
Vitor Araripe lembra que a última seleção para projetos de urbanização dentro do PAC ocorreu em 2013. Com a criação da SNP, a seleção para o Novo PAC abrangeu 269 municípios. “Foram 10 anos com o Governo Federal ausente na infraestrutura nesses territórios periféricos”, pontua o urbanista.
Uma forma encontrada para que o Governo Federal fique mais próximo desses territórios são as Caravanas da Periferia, que é uma visita do secretário Guilherme Simões e equipe a um determinado território para conhecer as iniciativas e as lideranças locais. E conhecer quais estratégias foram criadas, na ausência do Estado, para resolver os problemas locais.
Em pouco mais de um ano e meio de existência das Caravanas já foram visitados 25 municípios em onze estados diferentes, e que renderam quase 60 dias de visitas ao todo.
“Entendemos que, para construirmos políticas públicas para as periferias, precisamos estar nas periferias, precisamos conhecer cada vez mais a diversidade de periferias que existem e suas necessidades”, explica a arquiteta e urbanista Luana Alves, assessora técnica da SNP. “Sabemos que as periferias são territórios de muita carência, de muita ausência do poder público de uma forma ampla e histórica. Mas sabemos que as periferias têm sobrevivido e têm dado soluções para questões do dia a dia. Muitas carências das periferias têm soluções dadas pelos próprios coletivos que atuam lá”, diz.
Uma dessas experiências exitosas são as cozinhas solidárias, grupos que se reúnem para produzir e oferecer refeições gratuitas para pessoas que passam fome. Acabou virando uma política pública do Governo Federal e hoje são mais de duas mil cozinhas solidárias funcionando pelo Brasil.
Para apoiar essas iniciativas, a SNP conta com o prêmio Periferia Viva. Neste ano, foram premiadas 150 ações comunitárias com R$ 50 mil cada e 25 iniciativas de assessoria técnica, cada uma com R$ 30 mil, além de três prêmios simbólicos para ações governamentais.
Uma secretaria, dois perfis
A equipe da SNP é formada por pessoas de todo o país. São cerca de 35 funcionários atuando na sede em Brasília, a maioria servidores públicos de carreira. “Nós precisamos ter duas características muito fortes na nossa equipe. Uma é uma leitura estratégica, um posicionamento político mesmo, a defesa dessa pauta, a convicção de que ela é importante. É um perfil que eu tenho e que algumas outras pessoas da secretaria têm”, detalha Simões. “E nós precisamos também de um perfil técnico muito forte. O agrupamento de técnicos que conheçam a temática, que conheçam como a máquina funciona, como é que funciona a relação da burocracia aqui com outros ministérios e com os poderes subnacionais. Eu acho que nós somos muito felizes em reunir esses dois perfis com excelência”, afirma o secretário.
Planos para enfrentar a crise climática
Um relatório recente do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE), revelou que três em cada quatro municípios pernambucanos possuem baixa capacidade de resposta a eventos climáticos como enchentes, deslizamentos e secas. Entre os itens analisados estavam a existência ou não de planos de contingência, de mapeamento de áreas de risco e programas de habitação para reassentamento de populações atingidas. Ou seja, boa parte dos municípios pernambucanos estão despreparados para enfrentar desastres naturais.
Eventos extremos atingem toda a população, mas é inegável que há grandes disparidades. “Precisamos entender que as pessoas não estão no mesmo barco. Eu sempre gosto de trazer o exemplo da pandemia, porque foi um exemplo recente que, em alguma medida, todo mundo viveu. Mas sabemos que nem todo mundo viveu da mesma forma. Tem gente que tem um barco a remo, tem gente que tem um iate, tem gente que tem um barco furado. Quando falamos das questões climáticas, estamos falando que as desigualdades aumentam ainda mais o impacto na vida das pessoas”, afirma Luana Alves.
Para minimizar os impactos da crise climática nas periferias, a SNP oferece apoio em dois tipos de planos de redução de riscos: um é voltado para municípios, auxiliando na elaboração de estratégias de prevenção de desastres. “Tem lugares em que é necessário uma obra de engenharia mais pesada, uma remoção menor ou maior de pessoas, tudo depende da estratégia que vai ser desenhada. Até 2026 devemos apoiar 200 planos municipais de redução de risco”, adianta o secretário Guilherme Simões.
A operacionalização desses planos é feita por meio de um convênio com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que ao lado de universidades e junto com os municípios, define as prioridades e estratégias. “A partir do plano, os municípios podem elaborar projetos e realizar as intervenções necessárias. O município pode realizar as obras com recursos próprios ou pedir apoio ao Governo Estadual ou ao Governo Federal também”, explica Simões.
Há também os planos comunitários de gestão de riscos, que funcionam em uma outra lógica: identificar as soluções das periferias para minimizar os riscos da crise climática, como drenagens improvisadas e jardins permeáveis, e fomentar essas ações para que possam ser integradas às estratégias locais dos municípios e dos governos estaduais.
O Brasil conta com 12.348 favelas e comunidades urbanas, distribuídas em 656 municípios, o que representa um aumento de 95% em relação a 2010, quando havia 6.329 favelas em 323 municípios.
Esse crescimento se reflete também no número de municípios que abrigam favelas, com um aumento de 103%. A população residente nessas comunidades também aumentou, passando de 11,4 milhões em 2010 (6% da população brasileira) para 16,4 milhões em 2022 (8,1%).
Três perguntas para Guilherme Simões, Secretário Nacional de Periferias
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
À frente da Secretaria Nacional de Periferias, o cientista social Guilherme Simões levou para Brasília a experiência de quem foi por quase 20 anos militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). A atuação política e profissional do secretário tem sido decisiva para dar liga a uma secretaria que executa grandes projetos de urbanização ao mesmo tempo em que visita comunidades pelo Brasil afora para ouvir a população e mapear experiências comunitárias bem-sucedidas.
Qual o conceito de periferia que vocês usam? O que é periferia para a Secretaria Nacional de Periferias?
Guilherme Simões - É importante notar que esses territórios, favelas e periferias historicamente foram concebidos como territórios de vulnerabilidade, de carência, de ausência de políticas públicas. Então, a própria caracterização do que é favela se dá por inadequação habitacional, por ausência de infraestrutura, por irregularidade fundiária, entre outras coisas. Expressa sempre carência ou ausência de política pública. Mas estamos tentando chamar a atenção para uma outra característica que convive também com as características de carência, de vulnerabilidade. É o que chamamos popularmente de potências periféricas. Ocorre que essa histórica ausência de políticas públicas abriu espaço também para um associativismo desses territórios de agentes coletivos, territoriais, que produziram uma economia da sobrevivência.
Se o Estado não está presente, é preciso garantir minimamente a sobrevivência e isso ocorreu historicamente de forma quase sempre coletiva. Essas experiências garantiram uma sobrevida para esses territórios e produziram o que chamamos de agenda periférica. Nós estamos identificando no trabalho aqui da Secretaria mecanismos institucionais de reconhecimento dessas potencialidades. Ou seja, precisamos olhar para as favelas não apenas pelo olhar da vulnerabilidade – que existe, periferia é também carência –, mas como territórios dinâmicos que constroem soluções quase sempre sem fomento, sem estímulo do poder público,e que acabam criando ou recriando tecidos que o Estado não foi capaz de criar. Essa característica dupla, digamos assim, é algo que a gente tenta expressar, inclusive com elaboração de política pública para as periferias do Brasil.
A caravana das periferias já teve quase 200 territórios visitados, em todas as regiões do Brasil. Tem alguma coisa que os une? O que é que você notou que a população mais precisa nesses lugares?
Guilherme Simões - Tem muitas coisas que eu poderia dizer, mas eu chamaria a atenção para algumas. A primeira é o protagonismo feminino. O papel que as mulheres desempenham – quase sempre mães solo e mulheres negras – reforça a necessidade de se coletivizar, de se organizar nos territórios, de se fazer lutas por direitos, de se associar para garantir a sobrevivência. Essa é uma característica que está espalhada pelo Brasil inteiro, de Norte a Sul do País.
Uma outra característica comum, que eu acho que é uma novidade interessante, é o surgimento, e cada vez maior complexificação, de agrupamento
s que lutam em defesa do meio ambiente, com pautas relacionadas à emergência climática. Essa consciência está bastante crescente nas periferias do Brasil e essa pauta é tocada com um protagonismo muito grande da juventude. A meninada está muito mobilizada com o tema ambiental, incluindo desastres, excesso de chuvas e secas.
A criação do Ministério das Cidades, no primeiro governo Lula, aconteceu um pouco depois do Estatuto das Cidades, de 2001, que tem um foco muito grande na centralidade das cidades. E agora estamos vendo que está tendo uma discussão muito mais ampla sobre as periferias. Você acha que está tendo um deslocamento desse olhar público também, saindo um pouco dos centros e indo mais para as periferias?
Guilherme Simões - Eu acho que cresce o reconhecimento de que as periferias e as favelas são parte da cidade. Já vivemos um tempo em que esses territórios eram considerados, como diria Carolina Maria de Jesus, os quartos de despejo. Aqueles territórios que são provisórios, que são ilegais, que em algum momento vão ser removidos. Durante muito tempo, no dito planejamento urbano das cidades brasileiras, houve a projeção de eliminação desses territórios. Tem, até hoje, municípios que atuam com a ideia de desfavelizar, como se a favela fosse sempre algo negativo, um problema. Um estigma que caminha junto com esses territórios e com essas populações. De alguns anos para cá, e a criação do Ministério das Cidades ajudou muito nisso, começa-se a ler a favela, a comunidade urbana, as periferias com um outro olhar. Acho que é um pouco esse olhar que eu apresentei aqui: não tapar o sol com a peneira, reconhecer que sim, há muitas carências, é um histórico de abandono, mas existe também uma riqueza, uma dinâmica que é muito profunda e que precisa ser reconhecida também em termos institucionais, oficiais.
Promorar e os R$ 2 bilhões para mudar o Recife
Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
Entre os dias 28 e 29 de maio de 2022 choveu torrencialmente em Pernambuco. Deslizamentos de terra e inundações deixaram 140 mortos no estado, sendo 133 nas periferias da Região Metropolitana do Recife. Era a trágica epítome de que as mudanças climáticas vão atingir mais duramente os mais pobres e vulneráveis. E uma reação urgente e enérgica era imprescindível para evitar que tragédias semelhantes ocorressem.
No ano seguinte, em 2023, teve início o Programa de Requalificação e Resiliência Urbana em Áreas de Vulnerabilidade Urbana (ProMorar). É um plano de ações bilionário da Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) para adaptações às mudanças climáticas. “O programa foi concebido apenas para urbanização de favelas. Mas com os desastres de 2022 entrou o componente de infraestrutura resiliente no projeto, o que permite que façamos obras de encostas e macrodrenagem, por exemplo, pensando na redução de riscos nas áreas mais vulneráveis”, explica a arquiteta e urbanista Fernanda Pereira, coordenadora de projetos do ProMorar.
O programa recebe investimentos de US$ 325 milhões (aproximadamente R$ 2 bilhões), financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). É o maior empréstimo que a Prefeitura do Recife já pegou. O avalista é o Governo Federal. Com o dinheiro, o ProMorar vai realizar obras de urbanização, contenção, macrodrenagem e construção de parques lineares como áreas de contenção de enchentes. O programa foca nas encostas da cidade e nas áreas de inundação próximas aos rios Tejipió, Jiquiá e Moxotó. A previsão é de que seja concluído até maio de 2029.
Há dez anos, uma pesquisa elaborada pela PCR identificou a existência de 545 Comunidades de Interesse Social (CIS) representando 33% do território da cidade, abrigando 53% da população recifense. O ProMorar vai atuar em apenas 40 dessas comunidades. A escolha foi feita com base em dados socioeconômicos, como o percentual de desemprego, o índice de crimes violentos na área e o percentual de habitações precárias.
“Tem outro critério que não foi socioeconômico, mas que é importantíssimo para o desenvolvimento do programa: o planejamento da Compesa. Considerando que o ProMorar tem como objetivo a urbanização, a melhoria da qualidade de vida, e essa urbanização passa também pela implantação de redes de saneamento, de nada adiantaria a gente fazer a implantação dessas redes e o planejamento da Compesa para atender essa população fosse, por exemplo, em 2030. Não ia casar com o cronograma do ProMorar. Então, todas essas 40 comunidades estão no planejamento da Compesa até 2029”, comentou Fernanda Pereira, que também é mestra em desenvolvimento urbano pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A maioria das comunidades estão localizadas na bacia do rio Tejipió, mas há outras localizadas em outras regiões, como Vila do Papel e Areinha, que ficam no Coque, no bairro central de São José e em Boa Viagem, na Zona Sul do Recife. As obras que já começaram e que ainda estão por vir englobam construção de rede de esgoto, pavimentação, iluminação, drenagem e iluminação. O ProMorar trabalha também com a implantação de equipamentos comunitários, que estão sendo escolhidos com a participação das comunidades. São equipamentos de saúde, como UPAs, de educação, como creches, ou centros comunitários, para receber cursos e oficinas.
Três mil famílias deverão deixar suas casas em áreas de risco
Em comunidades precárias, em áreas de grande risco, sujeitas a alagamentos e deslizamentos, fazer obras de urbanização quase sempre exige a demolição de casas e barracos. E aí reside o ponto mais polêmico do ProMorar, que é o despejo e o reassentamento dessas famílias.
É muito provável que todas as 40 comunidades de atuação do ProMorar deverão ter famílias que vão ser obrigadas a deixar suas casas. Ainda não se sabe o número exato, pois cada comunidade recebe um projeto específico de urbanização e isso está sendo feito aos poucos, mas a estimativa é que cerca de três mil famílias precisarão ser reassentadas devido a riscos de deslizamento ou alagamento, áreas de restrições ambientais, ou para a abertura de acessos para a implantação de infraestrutura urbana adequada. As únicas três comunidades que já possuem projetos vão ter reassentamentos: Vila do Papel, que está em vias de iniciar a obra; Vila Brasil, com projeto pronto para ser apresentado à população e entrar em licitação; e Areinha, onde o projeto está avançado, mas ainda com aprovações pendentes.
Fernanda explica que são áreas extremamente vulneráveis, sem condições de moradia digna. “Sem a retirada das famílias, não conseguiríamos implantar as infraestruturas. Como normalmente essas comunidades são muito precárias e muito densas, as habitações não têm nem afastamento entre uma e outra casa. Há um grande aglomerado de habitações e não conseguimos fazer as conexões de água e esgoto, por exemplo, sem ter que remover as casas. Também temos as situações de moradias precárias mesmo, como casas de madeira e palafitas, que entram para o reassentamento. Não faz sentido termos um projeto de urbanização e manter esses imóveis precários”, explica a urbanista.
“Em algumas comunidades, também estamos optando pelo reassentamento das famílias e a utilização dos espaços para uma parte alagável, por exemplo, contribuindo com a redução de alagamentos e inundações”, acrescenta.
O maior desafio do ProMorar, diz Fernanda Pereira, é o reassentamento dessas famílias. “Não que seja um desafio especificamente nosso, mas a Prefeitura do Recife tem um histórico de ações de reassentamento que não foram exitosas. E o nosso desafio maior é ganhar a confiança da população. Diante desse histórico já existente, estamos fazendo um trabalho para que as comunidades acreditem que as obras de fato vão acontecer e os reassentamentos também”, afirma.
Até agora, nenhum reassentamento foi executado. O ProMorar fez um marco de reassentamento, que é um documento que foi elaborado no momento da preparação do programa. O documento prevê três possibilidades para as famílias despejadas: unidade habitacional, compra assistida ou reassentamento por permuta, sempre com a preferência de manter as famílias perto dos seus locais de origem. Há ainda a previsão de retrofit (modernização de prédios antigos) em prédios da zona central do Recife para abrigar essa população que vai ser retirada das zonas de risco.
Na parte recifense do jardim Monte Verde, localidade que faz divisa com o município de Jaboatão dos Guararapes e que teve o maior número de mortes após as chuvas de 2022, 10% das residências deverão ser demolidas, o que dá 48 famílias despejadas.
No Marco de Reassentamento, a prefeitura do Recife informa também que tem um potencial construtivo estimado de 5.800 novas unidades habitacionais em seis terrenos pré-selecionados para construção de prédios. São nos bairros da Várzea, Jiquiá, Prado, Curado, Imbiribeira e Coelhos.
Para Fernanda Pereira, que também é especialista em urbanismo social, o ProMorar pode ser um marco na urbanização do Recife. Uma chance única de dar resiliência para a parte mais vulnerável da cidade estar mais preparada para enfrentar a crise climática que se intensifica a cada ano. “O colombiano Jorge Melguizo, que trabalhou no urbanismo social de Medellín, afirmou que o ProMorar é o maior programa de urbanismo social do Brasil. É um programa que consegue trabalhar com vários eixos temáticos dentro do urbano, centralizar todas as ações nas pessoas, e não em obras físicas, são ações centradas em pessoas”, acredita a urbanista.
Recife é a capital brasileira mais ameaçada pela elevação do nível do mar, segundo o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudanças Climáticas.
A estimativa é de que as áreas vulneráveis correspondam atualmente a 20% da superfície total do Recife e 30% da superfície construída. Além disso, 56% das residências da cidade não têm acesso a serviços de saneamento e 10% não têm água potável.
O Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) estima o déficit de habitação na cidade em 71.160 residências. Também há 57.329 residências em regime de posse irregular, 13.198 apresentam condições de superlotação e 52.408 estão localizadas em áreas sujeitas à inundação.
Periferia como pertencimento
Nas propagandas da Prefeitura do Recife sempre aparecem imagens de morros e geomantas pintadas com cores vivas. Pode parecer uma bobagem, algo mais para as redes sociais do que com real impacto na vida dos moradores, mas o Gabinete de Inovação Urbana – responsável pelas pinturas – defende que a beleza também deve estar presente na vida de quem vive nas periferias.
“Trabalhamos com a premissa, baseada em estudos urbanos, de que quando deixamos o espaço mais bonito, mais embelezado, a tendência é que as pessoas também se interessem e passem a cuidar daquele local. É a teoria da janela quebrada: se você deixa o espaço feio, mal cuidado, a tendência é que ele continue feio ou talvez pior. Agora, se você faz um embelezamento, escuta as pessoas e entende o que elas querem, o espaço se torna muito mais importante”, afirma a gerente geral de intervenções urbanas, Camila Inocêncio.
Geomanta da UR-1, no Ibura, pintada pela Prefeitura do Recife. Crédito: Dondinho/PCR
Dentro do Gabinete de Inovação Urbana, a Prefeitura do Recife executa dois projetos voltados para a urbanização de comunidades periféricas. O programa Mais Vida nos Morros, que foi lançado em 2016, atua em intervenções físicas, como construção de praças e rotas lúdicas, e sociais, como a construção de unidades de saúde ou creches.
Já o programa Tá Aprumado é uma espécie de versão menor e mais rápida do Mais Vida. “No Mais Vida temos um perímetro muito maior: vão ser 300 famílias, 400 famílias atendidas em uma intervenção que dura de três a quatro meses para ficar pronta. No programa Tá Prumado fazemos intervenções pontuais”, explica Camila Inocêncio.
As pinturas das áreas comuns das comunidades são realizadas em uma parceria com as Tintas Coral e há também mutirões de pintura das fachadas das casas de moradores, além da participação de artistas que fazem os já famosos murais. “É algo muito mais emblemático para a comunidade do que se imagina. Algumas intervenções que fizemos hoje se tornaram o símbolo da comunidade, como, por exemplo, a geomata pintada que está se tornando o símbolo da UR1, no Ibura. É uma arte muito simples, em relação à complexidade, mas foi uma arte que a comunidade escolheu dentro do processo participativo”, conta Camila. “Também não foi só a pintura. Entregamos um novo espaço público com playground, quadra, espaço de convivência, gramado e pintamos cerca de 200 casas do entorno”, completou.
Moradora ela própria de um bairro periférico – Nova Descoberta, na Zona Norte do Recife –, Camila Inocêncio acredita que a verdadeira inovação na área do urbanismo para as periferias é fazer algo muito simples, mas ainda pouco usual no Brasil: escutar as pessoas. “O processo participativo, muitas vezes, se torna uma inovação, porque para a gestão pública do Brasil escutar as pessoas é algo muito complexo, quando, na verdade, não é. Claro que tem um trabalho de sensibilização, mas é algo possível de ser feito. Para mim, inovar nas comunidades é, dentro do que é escutado, trazer uma solução eficiente e eficaz”, acredita.
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