
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Política e
Cidadania
Editor temático: Túlio Velho Barreto
nº 24 | 05 de maio de 2025
A Escala 6x1 e o Debate sobre a Redução da Jornada de Trabalho: Resistência Política e Impactos Sociais
Darcilene C. Gomes (Fundaj)
Sidartha Soria (UFPE)
Jornada de trabalho é uma expressão que traduz a duração do tempo de trabalho. O controle sobre o tempo laboral sempre foi uma variável de disputa entre assalariados e empregadores. O primeiro de maio como Dia do Trabalhador, por exemplo, rememora a Greve Geral de 1886 nos EUA que foi duramente reprimida e originou o que ficou conhecido como Massacre de Haymarket, sendo justamente a luta por uma jornada de oito horas o que mobilizou os trabalhadores.
Somente na segunda década do século XX que a jornada de oito horas se expandiu. Henry Ford, inclusive, instituiu na Ford Motor Company, em 1926, a jornada de oito horas e cinco dias por semana; E em 1938 foi sancionado, nos EUA, o Fair Labor Standards Act, que estabeleceu o pagamento de horas extras aos trabalhadores com jornada superior a 40 horas por semana.
No Brasil, refletindo o espírito da época, a redução da jornada entrou em pauta com a Greve Geral de 1917¹; em 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho estabeleceu uma jornada de 48 horas e seis dias da semana; e finalmente, na Constituição Federal de 1988, a jornada foi oficialmente reduzida para 44 horas semanais. Há setores, como o público, que possuem jornadas menores: de 40 horas². O trabalhador autônomo, por sua vez, frequentemente ultrapassa as 44 horas semanais. De qualquer forma, a jornada de trabalho legal segue sendo a referência para todos os trabalhadores do país (DIEESE, 2003).
É fundamental ressaltar que essas conquistas só foram possíveis graças à luta organizada de movimentos sociais, sindicatos e grupos de interesse progressistas, que pressionaram por melhores condições e direitos trabalhistas. A jornada de trabalho, portanto, não é apenas uma medida de tempo, mas sim o resultado de décadas de mobilização e resistência.
Progressivamente, verifica-se uma tendência global de redução gradual da jornada de trabalho, fruto de conquistas sociais e avanços legislativos. Contudo, essa evolução não ocorre de forma homogênea, apresentando significativas disparidades entre países e setores econômicos. Um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2022) destacou que a principal característica da jornada de trabalho contemporânea é sua marcante desigualdade de distribuição. Enquanto uma parcela dos trabalhadores usufrui de jornadas reduzidas, outra enfrenta expedientes excessivamente longos. Os dados revelam que: mais de 35% dos trabalhadores globais realizam jornadas superiores a 48 horas semanais; e cerca de 20% trabalham menos de 20 horas por semana. Essa polarização reflete tanto as diferenças nas legislações trabalhistas quanto na estrutura produtiva de cada nação, evidenciando desafios persistentes na busca por equilíbrio entre produtividade e qualidade de vida.
A discussão sobre a redução da jornada de trabalho voltou recentemente a ganhar destaque no Brasil, especialmente diante de iniciativas como a do movimento VAT (Vida Além do Trabalho), do então influencer, e logo a seguir vereador eleito, Rick Azevedo (Psol), que impulsionou propostas como a PEC apresentada pela deputada federal Erika Hilton (Psol), que visa reduzir a jornada legal de trabalho no país.
Desde então, estamos acompanhando os inúmeros estudos e argumentos que defendem ou condenam a redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6x1. É comum que os opositores à redução enumerem argumentos econômicos, alguns até revestidos de certo grau de dramaticidade, como o estudo da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) que apontaria para um suposto tombo de 16% no Produto Interno Bruto (PIB) do país. Argumentos semelhantes, cabe lembrar, foram igualmente arrolados em outros momentos que ampliaram direitos ou proteção social aos trabalhadores (décimo terceiro, aumento do salário mínimo etc.).
Ocorre que vivemos em um país marcado por uma desigualdade brutal. O recente debate sobre as mudanças no imposto de renda trouxeram dados que explicitam a enorme concentração de renda no país³. Em passado não tão longínquo, com muito esforço, o país conseguiu melhorar discretamente o índice de Gini, uma medida conhecida de concentração de renda, mas que não foi muito longe. O percentual da renda nacional apropriada pelos trabalhadores brasileiros, que melhorou entre 2004 e 2015, de 2016 em diante voltou a cair.
Os últimos dez anos foram de dificuldades para os trabalhadores brasileiros: crise econômica, dos sindicatos, aumento do desemprego, reforma trabalhista, pandemia de covid-19 etc. A deterioração do mercado de trabalho e a inflação acumulada no período penalizaram sobremaneira a “classe que vive do trabalho”, nos termos de Ricardo Antunes.
Portanto, a diminuição da jornada de trabalho terá inúmeros efeitos. Mas é fundamental discutirmos os efeitos benéficos para os trabalhadores e suas famílias. A escala 6x1, em que o assalariado trabalha seis dias e folga apenas um, é emblemática de uma "sociedade do cansaço" (Han, 2017). Os brasileiros estão cansados de trabalhar e não ganham o suficiente para propiciar o mínimo de conforto para si e para os seus familiares. Estão esgotados e adoecidos, física e mentalmente. É fundamental que possam ter maior controle sobre o seu tempo e que sejam capazes de viver com mais sentido e conforto.
Quanto à economia - como mostra a história das mobilizações e lutas sociais para deter a escalada da exploração trabalhista -, esta se ajustará e tem que ser assim; afinal, o sistema econômico e produtivo é que deve se ajustar aos interesses e necessidades dos seres humanos e não o contrário.
NOTAS
[1] Que também ocorreu em Pernambuco, atingindo primeiro Recife (sendo duramente reprimida) e seguindo para o interior.
[2] Existem várias leis que regulam a jornada de categorias profissionais no Brasil: art. 224 da CLT (trabalho nos bancos - 30 horas); art. 227 da CLT (Empregados nos serviços de telefonia, telegrafia submarina e subfluvial, de
radiotelegrafia e radiotelefonia; art. 234 da CLT (operadores cinematográficos); art. 303 e 304 da CLT (jornalistas), entre outros.
[3] Foi notícia em todos os meios de comunicação: 141 mil pessoas no país ganham mais de 1 milhão de reais por ano. Lembrando que os dados do último Censo Demográfico apontam uma população de 203 milhões de pessoas no Brasil.
PARA SABER MAIS
DAL ROSSO, Sadi. Jornadas Excessivas de Trabalho. Rev. paranaense de desenv., Curitiba, v.34, n.124, p.73-91, jan./jun. 2013.
DIEESE. A jornada de trabalho no Brasil. São Paulo, Dieese: Ministério do Trabalho e Emprego, 2003.
HALLAK NETO, João. A preocupante trajetória da distribuição funcional da renda no Brasil. Carta Capital, 18/04/2023. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/blogs/observatorio-da-economia-contemporanea/a-preocupante-trajetoria-da-distribuicao-funcional-da-renda-no-brasil/>.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis, Vozes, 2017.
OIT. Working Time and Work-Life Balance Around the World. Genebra: International Labour Office, 2022.
TOLEDO, Edilene. Um ano extraordinário: greves, revoltas e circulação de ideias no Brasil em 1917. Estud. hist. (Rio J.) 30 (61) • May-Aug 2017.
OS AUTORES

Darcilene Gomes é doutora em Economia, pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco, editora da Coletiva e supervisora das bolsistas que compõem a revista.

Sidartha Soria possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Uberlândia (2003), mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2005) e doutorado em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (2011). Professor Adjunto C4 da Universidade Federal de Pernambuco, membro do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS/UFPE). Coordenador do Grupo de Estudos em Sociologia do Trabalho e dos Ofícios (GESTO-CNPq).
COMO CITAR ESSE TEXTO
BARRETO, Túlio Velho. Futebol é esporte de mulher: apartheid à brasileira excluiu a participação feminina no esporte bretão. (Artigo). In: Coletiva - Política e Cidadania. nº 23. Publicado em 20 jul. 2023. Disponível em:<https://www.coletiva.org/politica-e-cidadania-n23-futebol-e-esporte-de-mulher-por-tulio-velho-barreto>. ISSN 2179-1287.
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