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Sociedade

Arte e

Imagem criada a partir de inteligência artificial, utilizando o comando "criar imagens relacionando política e arte".

Editores Temáticos: Moacir dos Anjos e Paulo Marcondes 

nº 9 |  03 de julho de 2023

Reflexões sobre a possível indissociabilidade entre arte e política

Paulo Marcondes

Em um dado momento, no campus da Universidade Federal de Pernambuco, fui surpreendido com uma questão que me foi posta por um aluno, que se dizia inquieto por não ter clareza a respeito da condição estética da relação entre política e arte. De imediato, mandou-me a bomba: há mesmo uma indissociabilidade entre arte e política? Deste ponto, comecei a tecer algumas considerações a respeito, sem saber ao certo em que medida iria atender à sua indagação. Posteriormente, elaborei algumas notas sobre o tema e lhe enviei. O teor dessas notas pode ser lido na escrita a seguir. 

A questão inicial posta neste parágrafo dá bem o tom do que procurei desenvolver em minha fala. O fato de a discussão a respeito da indissociabilidade entre política e arte ser um tema bastante polêmico, visto que ao relacionarmos política e estética logo nos vemos numa intrincada situação de definir o que estamos entendendo por política nesse contexto e, por outro lado, em que medida somos igualmente levados a pensar a arte em suas múltiplas configurações poéticas.

Há várias maneiras de se relacionar, esteticamente, arte e política. Do ponto de vista mais específico das artes, para mim, a mais grosseira e vexaminosa é a da exigência de seu engajamento como dispositivo direto de difusão de um conteúdo político, posto que, neste caso, a arte não passa de mera condutora de mensagens políticas ou de mero reflexo do mundo e é a ele subserviente.

Quero dizer com isso que a ideia do engajamento político como mote para se definir o valor da arte a reduz a simples instrumento da política. Há, a meu ver, algo desastroso nisso, que é a busca de uma coerência e unidade na arte que, em geral, não se consegue obter. Quase sempre esse tipo de reivindicação supostamente progressista finda por se nutrir de visões muito prosaicas da arte, tão ao sabor de posições coadunadas ao próprio status quo de lógicas de pensamento hegemônicas. Há aí, muito mais. Há uma estetização da política, com o risco de uma desestetização da arte – eis um ponto caro a muitos pensadores, em épocas distintas. Contudo, não tratarei aqui o que dizem esses pensadores.

Como linguagem e convenção, como espaço social simbólico (mundo, campo, sistema), o que quer que relacionemos à arte, inclusive, à política, passa pelo fulcro da linguagem convencionada como artística – seja ela dimensionada por fronteiras (musical, visual, literária, etc.) ou por sua configuração expandida, cuja sinergia aí processada inviabiliza qualquer ideia de fronteira. Seja como for, em arte não se deve ver ou interpretar um conteúdo ou referente mimetizado sem que se tenha em consideração questões de linguagem.

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Imagem 1 - Figura criada a partir de inteligência artificial, utilizando o comando "criar imagens relacionando política e arte".

Com isso, quero afirmar que se a linguagem é o próprio filtro por onde se apreende o conteúdo artístico, esse conteúdo não poderá ser apreendido apenas pelo que é dito, mas, sobretudo, pelo modo como é dito. O que implica na questão da forma, em seus modos de dizer. E a forma não é expressão dada, acabada: ela não se materializa sem determinadas propriedades específicas da linguagem; entre elas, a condição relacional de suas manifestações produtoras de campos de referencialidades, tais como: o cotidiano, a política, etc.

 

Sendo assim, pensar arte implica no reconhecimento da necessidade da pesquisa com a linguagem, sua experimentação, enfim, suas formas inventivas do dizer. Arte é linguagem. E quaisquer manifestações que articulem arte e cotidiano – e seu processo político e social – devem fazê-lo mediado pela linguagem e pela dimensão estética que a arte expressa.

Há artistas que, ao mesmo tempo em que impõem uma forte conotação social ou engajamento político a suas obras, têm claro que arte é linguagem e que, como tal, goza de relativa autonomia. O que significa dizer que o político, o social, o econômico, etc., como parte constituinte da obra, serão aqui formados pelo crivo desse campo – evidentemente, como processo de mediação entre linguagem e meio, o que nos leva a reconhecer, por isso mesmo, de que se trata de uma autonomia relativa.

Deste modo, não se deve ler esses referenciais como modos de expressão direta, mas como modalidades tencionadas pelas propriedades materiais e significativas das linguagens. Tais propriedades são artísticas (nas suas especificidades); por outro lado, expressam um conjunto de possibilidades apropriadas por suas mediações com o meio, naquilo que ele é capaz de apresentar ou de oferecer em contextos variados – tudo isso manifestamente configurado por ações (disputas, lutas, tensões) subjetivas e coletivas, enredadas em interpretações e opções estéticas capazes de nos fornecer pistas para o entendimento das manifestações de tendências na produção da arte: seus materiais, seu circuito, seu público, etc.

É com base numa percepção assim, ampla do processo, que se podem identificar pistas a respeito da dimensão política de determinadas obras, movimentos ou ações artísticas – suas intencionalidades ou propósitos artísticos. Essa dimensão política poderá ser vista a partir de dois ângulos principais nas manifestações artísticas: o da ordem do discurso diretamente referido ao ambiente externo (realismo) e o da ordem do discurso internamente voltado à esfera das linguagens artísticas (esteticismo).

Imagem 2 - Figura criada a partir de inteligência artificial, utilizando o comando "criar imagens relacionando política e arte".

A rigor, toda arte é política e participativa, mas não da mesma natureza do que venha a ser o político e do que venha a ser o participativo. Há momentos de grande ruptura histórica na arte, como nas fases heroicas de âmbito esteticista. Há períodos de ação política mais ideologicamente prosaica na arte, muitas vezes, como empenho a uma arte de fundo pedagógico/missionário. E há, por fim, épocas de reposicionamentos reflexivos sobre esteticismo e sobre a política das artes.

Pensar o engajamento da arte hoje implica ter em consideração que os processos nela envolvidos e por ela vivenciados resultam da dinâmica sistemática de seu diálogo com as transformações do meio: político, econômico, tecnológico e ambiental, configurados em âmbito global; mas também por questões étnico-raciais, de gênero e sexualidade, dentre outras instâncias arroladas na luta por identidade e reconhecimento no interior dos novos movimentos sociais.

O cruzamento político e estético vigente em certo engajamento político de hoje manifesta-se na forma de arte pública, de coletivos, de redes de compartilhamento; utilizando-se, quase sempre, de instrumentos de mídia radical ou tática, a partir do qual se opta por formas alternativas de procedimentos ético-estéticos de contraposição à arte e à mídias comerciais, mas sem que se abra mão das possibilidades inventivas de expressão das linguagens artísticas, inclusive, com a ampliação das condições de acesso aos novos medias, em termos de produção e circulação de produtos artístico-culturais e de informação.

O AUTOR

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Paulo Marcondes Ferreira Soares é sociólogo e professor do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), desenvolve pesquisa em Sociologia da Arte (artes plásticas, cinema, literatura e música), com artigos publicados na área, e leciona as disciplinas Problemas Centrais de Sociologia da Arte (nas graduações de Ciências Sociais e de Museologia), Arte e Política no Brasil e Sociologia da Arte (na pós-graduação em Sociologia). É poeta e compositor, com livros de poesias publicados e um CD de poesia em áudio, disponível nas plataformas. Como letrista, tem uma produção significativa de músicas gravadas por seus parceiros.

Paulo Marcondes

COMO CITAR ESSE TEXTO

SOARES, Paulo Marcondes F. Reflexões sobre a possível indissociabilidade entre arte e política. (Artigo). In: Coletiva - Arte e Sociedade. nº 9. Publicado em 03 jul. 2023. Disponível em: <https://www.coletiva.org/arte-e-sociedade-reflexoes-sobre-a-possivel-indissociabilidade-entre-arte-e-politica>. ISSN 2179-1287.

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