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VILLA COLETIVA
Cultura, História  e Acessibilidade

n° 2| 10 de dezembro de 2018

O Brasil na rota da imigração afro-atlântica: os fios que nos unem
 

Cibele Barbosa 

Nos últimos anos, está sendo cada vez menos incomum encontrarmos em algum quadro de avisos um cartaz convidando o público a participar do Grande Magal de Touba..

Da mesma forma, é possível comprarmos tecidos e vestidos africanos, algo que, anos atrás, só era acessível a um reduzido número de pessoas com algum histórico de visita ou interesse específico pela África. A presença de imigrantes africanos no dia a dia das grandes cidades, embora, ainda pouco expressiva numericamente, acena para novas presenças de nacionalidades outrora desconhecidas pela maioria dos brasileiros. No centro de São Paulo, é possível encontrarmos salões de beleza e alguns bares com nomes redigidos em línguas africanas ou em línguas como o francês e o inglês.

Em decorrência do colonialismo, esses idiomas são falados, respectivamente, em países como os Camarões ou a Nigéria, por exemplo. 

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Convite da Comunidade Senegalesa do Recife para o Grande Magal de Touba 2017  Foto : Divulgação 

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Voltemos ao Magal de Touba. A festa comemorada por uma irmandade islâmica muito popular no Senegal, o mouridismo, faz parte dos ritos e práticas desse braço do islamismo que atravessou o Atlântico por meio de  imigrantes senegaleses. Maioria em cidades como Recife, os senegaleses estão presentes, majoritariamente, em atividades comerciais e artesanais.

Bar camaronês no centro de São Paulo. Foto: Cibele Barbosa/Fundaj

 Em uma visita ao Senegal, alguns anos atrás, paramos na estrada para comprar sapatos artesanais de couro. Ao sermos perguntados por um dos artesãos de onde provínhamos, o senegalês estampou um sorriso: “Pernambuco?, Tenho primos trabalhando lá.” Para esses senegaleses, Pernambuco não é mais o nome distante do navio que conduziu ao exílio o seu líder espiritual Cheikn Ahmadou Bamba. No século XIX, o líder do islamismo, Mouride, foi preso e exilado pelos franceses, partindo para o Togo em um navio mercante francês chamado Ville de Pernambouc.  O Grande Magal de Touba é a festa que celebra o retorno do Ahmadou Bamba para sua terra natal e acontece, geralmente, nos meses de novembro. A data é imprecisa, pois segue o calendário lunar, conforme nos atestou o líder da comunidade senegalesa de Pernambuco, Amadou Touré.

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 Grande Magal de Touba. Centro do Recife.  Foto: Cibele Barbosa/Fundaj

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Grande Magal de Touba. Centro do Recife. 2017. Foto: Cibele Barbosa/Fundaj

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Entrevista com Amadou Touré, líder da comuidade  senegalesa do Recife.2017.
Foto: Kika Martinez.

Passado mais de um século, Pernambuco torna-se um nome familiar para estes migrantes que querem partir ao Brasil em busca de oportunidades de trabalho. Comumente, são jovens na casa dos vinte anos e chegam sem família. No projeto Trocas Atlânticas, desenvolvido na Fundação Joaquim Nabuco, entrevistamos senegaleses no Recife e em São Paulo. Muitos trabalham no comércio informal de rua, embora alguns tenham se transformado em empreendedores formais, a exemplo de um jovem de 28 anos que é proprietário de uma loja de roupas e artesanato senegalês cujo estabelecimento se situa nas imediações da praça da República, em São Paulo.

 

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Proprietário de loja de produtos afro em São Paulo. Foto: Cibele Barbosa/Fundaj.

Em geral, os habitantes do Senegal possuem uma tradição de viajar e migrar. Faz parte da experiência de vida, assim como para muitos brasileiros de classe média, que enviam seus filhos para trabalhar ou estudar no exterior como forma de adquirir conhecimentos linguísticos e experiência de vida. Esse exemplo é interessante para uma compreensão mais ampla das migrações, incluindo aquelas destinada para o Brasil. Em outras palavras, não são apenas refugiados da fome ou dos conflitos políticos aqueles que partem em busca de novas terras, seja no próprio continente africano, que por sinal é onde mais se recebe imigrantes refugiados, seja em terras de além-mar.

Um exemplo são os estudantes de países como Moçambique, Angola, Cabo Verde e Benin, para não citar outros, que enviam estudantes de graduação e pós-graduação no âmbito do programa de cooperação do governo brasileiro PEC-G e PEC-PG. Os convênios não são recentes: iniciaram-se ainda nos anos 1960 e atendiam bolsistas de países da América do Sul e alguns poucos países africanos, cuja presença aumentou, consideravelmente, nos anos 2000 com as iniciativas do governo brasileiro em promover e ampliar os elos comerciais e culturais com o continente africano.

Em números gerais, para que se tenha uma ideia, no ano 2000, o número de imigrantes africanos regularizados no Brasil era de 1.054 e eram representados por 38 nacionalidades, ao passo que em 2012, segundo os dados da Polícia Federal, eram 31.866, originários de 48 das 54 nações do continente africano [1].

O aumento expressivo do número de africanos, embora se comparados aos haitianos ou venezuelanos ocupem cifras inferiores, ocorre não só por meio da presença das representações diplomáticas brasileiras nesses países, mas pela propaganda e divulgação do Brasil através da mídia televisiva, entidades religiosas e pelos mega eventos protagonizados pelo país nos últimos anos, a exemplo da Copa do Mundo e das Olimpíadas. O turismo também passou a ser uma fonte de atração; um exemplo é o da camaronesa Melanito Biyouha, que ao visitar o Brasil em 2007, viu no país uma oportunidade de abrir um restaurante, pois observara que existiam raros estabelecimentos de culinária africana. Hoje ela é proprietária do restaurante Biyo’Z no centro de São Paulo.

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Proprietária do restaurante Biyou´Z. Centro de São Paulo. Foto: Cibele Barbosa/Fundaj.

A consolidação de redes de comunidades africanas já instaladas no país facilitou  a troca de informações e a viabilização da vinda de novos migrantes, cujos números aumentam a cada ano. As redes de acolhimento, porém, são informais e partem de iniciativa de ONGs e organizações religiosas, bem como de associações de imigrantes e refugiados.

Em 2017, a aprovação da  Lei de Migração substituiu o antigo Estatuto do Estrangeiro, criado em 1980, ainda sob a Ditadura Militar. Uma das inovações da lei de 2017, em comparação com o Estatuto, é que a nova legislação não considera mais o imigrante como uma ameaça à segurança nacional. 

Apesar dos avanços, não há uma política pública federal específica voltada para a acolhida e inserção dos imigrantes no Brasil. Nesse sentido, as iniciativas da sociedade civil e as redes de acolhimento e sociabilidade exercem um papel central no estabelecimento e construção de elos entre os dois lados do Atlântico.

 

Os desafios, porém, são muitos; o racismo e a xenofobia são alguns deles. Para superá-los, uma educação mais aberta à produção do conhecimento sobre a África e produzido por africanos é um dos elementos-chave para a desmistificação de estereótipos e maior abertura para a compreensão e acolhimento daqueles que estão do outro lado do Atlântico. Temos nas mãos a possibilidade de criarmos outros fios que nos unem à África, por meio de laços de hospitalidade, e não mais com os nós de dor que nos uniram no passado. 

NOTAS

Imigração africana no Brasil aumenta 30 vezes entre 2000 e 2012. In.: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/imigracao-africana-no-brasil-aumenta-30-vezes-entre-2000-e-2012,bcdedc77d62e5410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html Acesso em 13 de junho de 2017.

Africanos no Brasil
Revista Coletiva

Africanos no Brasil

Direção e edição de vídeo - Tayná Almeida 

A AUTORA
 

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Cibele Barbosa é doutora em História pela Universidade Paris IV/Sorbonne e pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco. Atualmente coordena o Projeto Trocas Atlânticas e o Programa Institucional Educação e Relações Étnico-raciais.
 

COMO CITAR ESSE TEXTO
 

BARBOSA, Cibele. O Brasil na rota da imigração afro-atlântica: os fios que nos unem. (Artigo). In: Coletiva - Villa Digital. Publicado em 10 dez. 2018. Disponível emhttps://www.coletiva.org/villa-coletiva-n2-o-brasil-na-rota-da-imigracao-afro-atlantica-os-fios-que-nos-unem-por-cibele. ISSN 2179-1287.

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