O impacto das mudanças climáticas no Recife é o ponto de partida do estudo publicado no novo número da série Textos para Discussão
- Letícia Barbosa
- há 11 horas
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A publicação, que marca a renovação da TpD, se propõe a provocar o pensamento criativo para a resiliência ambiental por meio da utilização de um modelo relacional entre Investigação Apreciativa e Inovação Social

Por: Letícia Barbosa
Munida das abordagens e metodologias Investigação Apreciativa (IA) e Inovação Social (IS), a pesquisadora Rezilda Oliveira, orientada pela também pesquisadora Cátia Lubambo, marcou a retomada da publicação Textos para Discussão (TpD) no primeiro trimestre deste ano. O formato tem o objetivo de estimular o debate por meio do fomento de repertório a partir das pesquisas desenvolvidas na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).
A TpD já celebra mais de quatro décadas e retorna após três anos da última publicação e de um período com edições espaçadas. Como novidade, este lançamento inaugurou a atualização de seu projeto gráfico, assinado pela Editora Massangana, vinculada à Diretoria de Memória, Educação, Cultura e Arte (Dimeca) da Fundaj. Nesta nova fase, a publicação passa a contar agora com ISSN (International Standard Serial Number), ou Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas.
Intitulado Transições para sustentabilidade, estudos relacionais associados à Investigação Apreciativa e à Inovação Social: um estudo no multiHlab/Fundaj, o número é resultado do trabalho de estágio pós-doutoral de Rezilda, que é professora associada do Departamento de Administração da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e professora do Mestrado Profissional em Gestão Pública para o Desenvolvimento do Nordeste, da Universidade Federal de Pernambuco (MGP/UFPE), além de também atuar no Mestrado
Profissional em Administração Pública em Rede Nacional e no Programa de Pós-Graduação em Controladoria (PPGC), ambos da UFRPE.
A arquiteta, urbanista e pesquisadora titular da Fundaj Cátia Lubambo explica a proposta: “o experimento trata de temática em discussão no Grupo de Pesquisa Cidade Parque e coloca em debate uma possibilidade de compartilhar o aprendizado com as comunidades locais. A Investigação Apreciativa é uma ferramenta generativa. O que precisamos cada vez mais é a consolidação de inovações efetivas”.
Investigação Apreciativa e Inovação Social
A partir da ideia de trabalhar a Investigação Apreciativa (IA) e a Inovação Social (IS) para promoção de uma abordagem generativa em benefício da sustentabilidade ambiental, Rezilda Oliveira e Cátia Lubambo dividiram a investigação do projeto de pós-doutorado em rodas de conversa entre dois grupos de estudantes: os da Escola de Referência em Ensino Médio Professor Cândido Duarte, egressos do Programa de Iniciação Científica do Laboratório Multiusuários em Humanidades (multiHlab), e os da turma do Mestrado Profissional em Gestão Pública para o Desenvolvimento do Nordeste, da Universidade Federal de Pernambuco (MGP/UFPE). Para a TpD, apenas o primeiro caso foi detalhado.
A proposta inclui ainda a concepção de um framework de pesquisa, isto é, uma base pré- definida para aplicar IA e IS no campo de estudo da sustentabilidade. Depois, foi a vez de executar o material em dois planos-pilotos, um para cada grupo.
Rezilda conta que trabalha com IA e IS desde 2010 no campo da Administração e do Terceiro Setor, sua área de atuação, mas desta vez fez sua estréia na aplicação das duas em relação a questões ambientais em conexão com o projeto do Grupo de Pesquisa Recife Cidade Parque, da qual a arquiteta Cátia Lubambo faz parte. “Eu quis trazer alguma coisa ligada aos eventos extremos da crise climática. E isso deu a oportunidade de me aproximar também do trabalho que a Cátia vem desenvolvendo, que coloca o Recife, e a Região Metropolitana, dentro do estudo”.
A IA tem origem no campo da Psicologia Positiva e foi aplicada ao meio empresarial com objetivo de enfrentar problemas e crises, extraindo o que há de melhor nos sistemas organizacionais por meio de uma pesquisa-ação. “Num contexto de pesquisa, por exemplo, você não parte das dificuldades, nem dos déficits da organização.Você parte do princípio de que a organização tem algo bom, que funciona, os seus chamados pontos fortes, o seu foco no positivo e são esses elementos que vão fazer com que você estude a organização”, explica Rezilda.
Mais recentemente, a metodologia também ganhou o campo das políticas públicas. “Nesse caso, nós pensamos nas organizações, mas também nas interações das organizações com a sociedade, a interação das organizações versus outras organizações. Então, daquela visão micro que inicialmente focava na organização, você pode estender para o contexto de uma sociedade”, completa.
Nesse contexto, a IA passou por um processo de renovação agregando a ideia de generatividade, isto é, ressignificou-se a perspectiva otimista e agregou a valorização da capacidade de inovar. Rezilda exemplifica com o cenário da pandemia de covid-19: “todos passaram por um processo muito grande de ressignificar as relações de trabalho. Nós mudamos, tivemos que passar por um período de isolamento no qual utilizamos o trabalho remoto. Nós passamos a ver o trabalho remoto de uma maneira inovadora. E tanto é que nós jamais voltaremos ao que era antes, com vivências totalmente presenciais. Nós ressignificamos o trabalho. Então, esse é um dos caminhos para ligar a inovação social à investigação apreciativa”.
Com isso, a Inovação Social (IS) se soma constituindo uma nova de abordagem e metodologia. “Nós passamos a ter então o que chamamos de pesquisa transformadora. Aquela pesquisa-ação que mobiliza as pessoas para discussão, para colaboração, começou a ser denominada pesquisa transformadora”, completa Oliveira.
Transições para sustentabilidade: futuros possíveis
Em 2019, o Recife foi a primeira cidade brasileira a decretar emergência climática. De acordo com relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), a capital pernambucana está entre as localidades mais vulneráveis a eventos climáticos extremos.
Com esse cenário escolhido, Cátia e Rezilda partiram de estudos que defendem as transições para a sustentabilidade como processo de múltiplas soluções, demandando atores de diferentes grupos sociais. Já a decisão de trabalhar com Instituições de Ensino Superior (IES) e pesquisa veio da concepção desses espaços como locais de produção, perpetuação e disseminação de conhecimento acerca de fenômenos da sociedade. Os egressos do Pibic/multiHlab, por sua vez, formaram um dos grupos por seu contato prévio com pesquisa acadêmica, assim como pelo laboratório já atuar em alguma medida com IS, quando opera com o objetivo de criar colaborações e disponibilidade para abordar problemas desafiadores.
Para dar segmento à etapa das rodas de conversa, o tema “Recife na mudança climática” guiou o debate. Além disso, adotou-se a metáfora de Recife como uma “árvore d’água”, conforme Montezuma et al. (2022, p. 30):
“Vista de cima, a cidade, recortada e delimitada pelo oceano e pelos rios, revela a estrutura de uma árvore cujas raízes se encontram no mar. Seu tronco é conformado pelo estuário, na confluência das bacias hídricas dos rios Capibaribe, Beberibe e Tejipió. Estes últimos correspondem aos galhos dessa árvore, cujos ramos se desenham nos seus tributários, riachos, córregos e canais. Por fim, as folhas e as flores desse sistema são as pessoas, os moradores da cidade que, inseridos em movimentos sociais, participam das suas dinâmicas”
O processo interativo ocorreu entre julho e dezembro de 2023 e consistiu em apresentação de materiais diversos como ferramentas didáticas para fomentar as discussões. Foram utilizados vídeos curtos de cunho informativo sobre o aquecimento global e mudança climática, além de vídeos institucionais produzidos para a divulgação do projeto Recife como uma “Cidade Parque”.
“Fizemos esse experimento como projeto piloto, com a estrutura do multiHlab, utilizando a nossa teoria de que as chamadas transições para a sustentabilidade implicam na saída de um estágio onde acontece um evento climático para outro. Passamos duas tardes discutindo a teoria e depois reunindo os alunos em uma roda de conversa”, explica Rezilda.

Durante a atividade, os participantes também precisaram responder à pergunta “O que você sonha quando pensa no Recife diante do enfrentamento da mudança climática?” para a montagem de um mapa dos sonhos, exercitando a perspectiva de pensar futuros possíveis repletos de transformações resolutivas. Por fim, o grupo foi orientado a registrar em algumas linhas suas impressões sobre o encontro, enfatizando pontos fortes e anseios para os próximos anos.
A TpD destaca momentos interessantes dos diálogos como o posicionamento crítico de um dos estudantes que refletiu sobre como determinadas comunidades são mais impactadas pelas mudanças climáticas, trazendo ao debate o aspecto da desigualdade social. Outro exemplo é de uma jovem que mudou seu texto final impactada pela roda de conversa.
A pesquisadora revela que acredita na contribuição do projeto na formação de pensamento crítico e conscientização dos próprios participantes. “Realizamos o encontro em novembro de 2023. Os eventos no Rio Grande do Sul aconteceram em maio do ano seguinte. Os estádios do Internacional e do Grêmio foram cobertos, como aconteceu aqui na simulação que fizemos com o estádio do Aflitos. Eu espero que eles tenham lembrado. Fizemos uma simulação e aconteceu na vida real”.
Rezilda tem a expectativa que sua investigação possa incidir sobre políticas públicas e protocolos institucionais diversos em relação aos efeitos das mudanças climáticas. “Eu espero que a prefeitura aproveite essas pesquisas, não só a minha, mas a de outros grupos. Estou orientando uma aluna de gestão pública da UFPE, por exemplo, em que nós estamos vendo como a universidade age na gestão de um evento climático. Sempre que chove, as universidades e as escolas reagem ao evento. É isso que estamos observando. Estamos fazendo um estudo para mostrar que a universidade deve ter uma política para não só responder ao evento, mas para se antecipar ou se adaptar, criar uma governança ambiental e adaptativa para que a universidade não fique tão refém. Claro, que há coisas imprevisíveis. Mas nós temos cientistas estudando esses fenômenos que podem ajudar a reduzir esse impacto”.
Lubambo indica alguns desdobramentos da pesquisa além da dissertação Estudo apreciativo das estratégias de respostas aos desafios da gestão acadêmica da UFPE em tempos de mudanças climáticas, sob a orientação de Rezilda: “a disseminação dos resultados alcançados, especificamente, já está programada por meio de um minicurso no próximo encontro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em julho”.
A 77ª Reunião anual da SBPC acontece entre os dias 13 e 19 de julho na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Confira a programação.
Confira também a TpD completa.
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