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Jornada das Infâncias: quando perguntas são mais relevantes que respostas

O filósofo Walter Kohan, da UERJ, conduziu uma mesa com a participação de crianças no primeiro dia do evento


Por Maria Carolina Santos


O filósofo Walter Kohan durante fala na Jornada das Infâncias

Foi uma pergunta atrás da outra. Na mesa-redonda formada só por crianças e mediada pelo filósofo Walter Kohan, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a ideia era que as crianças respondessem perguntas com outras perguntas. "Quem inventou a primeira palavra?", perguntou alguém da plateia durante a VII Jornada de Estudos sobre as Infâncias, promovida pela Diretoria de Pesquisas Sociais (Dipes) da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). “Será que foi Deus?", devolveu uma criança.


Depois dessa sessão de ping-pong, vieram ainda mais questionamentos: dezenas de pessoas da plateia – formada majoritariamente por professoras e professores e estudantes – fizeram uma enxurrada de perguntas para as crianças: Por que é importante perguntar? Como escutar uma criança? Vocês sabem qual o tema desse encontro de hoje?


Nada teve resposta. Não uma resposta como a que se está acostumado. A certo ponto, parecia exaustivo ouvir tantas perguntas. E nada de uma resposta.


Ao final da tempestade de perguntas, Kohan começou uma fala. Essa, também, permeada de questionamentos.


“O que geralmente fazemos na escola é pensar que quem pergunta não sabe e quem sabe responde. E pensamos que nós somos professores porque sabemos, e então nos colocamos nesse lugar de responder. Mas será que é isso mesmo?”, questionou. “Eu queria mostrar a força, a potência de uma atividade em que suspendemos as respostas e começamos a perguntar. Claro que isso incomoda, isso desestabiliza, isso nos tira do lugar, porque estamos muito mais habituados a responder. É muito mais tranquilizador, já perguntar é mais desestabilizador”, disse.


A dinâmica de perguntas com as crianças e com a plateia – completou Kohan – foi um modo para que todos os presentes pudessem de alguma maneira exercitar o lugar de incômodo, mas também de possibilidades, do perguntar.


Kohan falou então sobre um livro de Paulo Freire chamado Por uma pedagogia da pergunta. “Neste livro, Freire diz que um dos principais problemas da educação no Brasil – e ele diz não só no Brasil, mas pelo menos no Brasil – é que nós pensamos que nossa tarefa enquanto educadores é oferecer respostas. Paulo Freire pergunta: ‘e qual é o problema de uma resposta?’. É que a resposta, diz ele, castra a curiosidade que está na base de uma pergunta. Uma pedagogia problematizadora, emancipadora, libertadora, tem que fomentar a curiosidade, nunca castrá-la. Ou seja, o que torna uma prática educadora potente, relevante e problematizadora, numa pedagogia da pergunta, é que nós terminamos uma atividade com muito mais curiosidade do que tínhamos de início”.

“Somos começo, meio e começo." Nêgo Bispo

Citando o escritor moçambicano Mia Couto, o filósofo disse que a infância não é uma idade, mas um tempo em que ainda não é tarde demais. “Paulo Freire tinha essa noção de infância. Ele nunca se dedicou à educação de crianças pequenas, mas à educação das pessoas que são mais importante para se recordar que nunca é tarde demais para começar; pessoas que mais ouviram que não podem começar, que já estão no fim, que já terminou. Então, vejam: Paulo Freire se dedicou à educação de jovens e adultos por um compromisso com a infância. Não a infância como a idade, mas como o começo”.


Kohan citou Nêgo Bispo, pensador quilombola falecido no ano passado, para falar sobre como a pergunta é uma forma de reafirmar começos, inícios. “É sempre importante cuidar muito do começo e da possibilidade de começar. Porque o fim é uma coisa que nossa sociedade está cansada de instituir: estamos o tempo inteiro sendo interrompidos, finalizados. Mas reafirmar a pergunta é como cuidar do começo”, explicou.


O professor também falou um pouco sobre a importância de levar a filosofia para sala de aula. Mas não a filosofia como história da filosofia, como o que os filósofos escreveram ou sobre teorias filosóficas, e sim a filosofia como uma forma de se relacionar com o pensamento.


“A infância não é um tempo, não é uma idade, uma coleção de memórias. A infância é quando ainda não é demasiado tarde. É quando estamos disponíveis para nos surpreendermos, para nos deixarmos encantar.” Mia Couto no livro E se Obama fosse africano?

“Nesse sentido, a filosofia não é um conteúdo, não é uma disciplina: é uma companheira do que pensamos quando nos abrimos a esse espaço de não saber, quando nos atrevemos, qualquer que seja a nossa disciplina, a saber que não sabemos. É muito importante saber que não sabemos. A filosofia não é o que pensa um ser humano. É um exercício que compartilham seres humanos quando se encontram juntos para pensar e perguntar sobre o mundo. Por isso, se pode ensinar matemática com filosofia, história com filosofia, literatura, ou qualquer coisa, com filosofia”, disse.


Com a tempestade de perguntas, Kohan mostrou que a sala de aula pode ser um lugar mais horizontal “onde estamos pensando juntos e perguntando juntos, porque todos sabemos e não sabemos”, concluiu.

A Jornada das Infâncias está na sua sétima edição e segue com programação ao longo desta quarta-feira (02).


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