Capoeira Angola e Educação é tema de encontro de Mestrados
Mestre Jogo de Dentro é recebido pela comunidade de educadores e capoeiristas na Fundaj
Por Marcela de Aquino
Jorge Egídio dos Santos, mais conhecido como Mestre Jogo de Dentro é uma das maiores referências de Capoeira Angola na contemporaneidade. Nascido em Alagoinhas, na Bahia, foi discípulo de Mestre João Pequeno de Pastinha e transmite o valor da capoeira no desenvolvimento da formação pessoal não violenta e da educação formativa de saberes e práticas ancestrais.
Através da idealização do Mestrado Profissional em Rede de Sociologia (ProfSocio) e do Mestrado em Educação, Culturas e Identidades (PPGECI/UFRPE), o evento Capoeira Angola, ancestralidade e educação, com o Mestre Jogo de Dentro, realizado em junho deste ano, promoveu a discussão entre os saberes da tradição e da ancestralidade nos processos educativos formais e não formais.
É a primeira vez que o Mestre Jogo de Dentro vem a Recife em um encontro financiado por uma instituição pública que agrega alunos dos mestrados e recebe também a comunidade da Capoeira Angola através da mobilização de grupos locais. Para o coordenador do evento e docente da Rede ProfSocio, Pedro Silveira, a representatividade do Mestre foi construída quando fez parte da “geração que participou de um momento específico de valorização e disseminação da Capoeira Angola para o Brasil e para o mundo nos anos 80 e 90”.
Da linhagem de Mestre Pastinha e João Pequeno, o Mestre Jogo de Dentro, que adquiriu o codinome pelo estilo de jogar mais próximo ao parceiro, aprendeu a “não ferir os fundamentos e legados dos mestres” que vieram antes dele com o compromisso de repassar os ensinamentos para manter viva a tradição da Capoeira Angola. “ A capoeira é vivência, é uma filosofia de vida. É uma escola”, salienta.
A forma de se expressar através do jogo pode definir uma linhagem, mas todos têm um único fundamento, afirma Mestre Jogo de Dentro, que tem se preocupado em preservar os princípios desta arte. “A capoeira através da música, do toque, do ritmo, dos ensinamentos, aproxima muito você dessa sua realidade; buscar um pouco seu passado, saber quem é, de onde você vem, quem são seus ancestrais.” O Mestre também ensina que a circularidade vista na roda de capoeira tem influências dos povos originários em contraste com o pensamento linear do Ocidente europeu.
Segundo o Mestre Jogo de Dentro, as novas gerações precisam ser ensinadas a “como jogar” sem levar a violência para dentro da roda, como um processo de educar o corpo e a mente, que não desrespeite o adversário. É através disso que o mestre pode usar sua experiência para ajudar o aprendiz a moldar seu comportamento e ensinar os fundamentos que também regem a vida, o que ele nomeia como maestria. “Há quinze anos busco ter maestria”, enfatiza.
Para Pedro Silveira, que também é aluno do Mestre, a Capoeira Angola ensina de forma relacional, circular e compartilhada conhecimentos sobre movimentos do corpo, musicalidade (instrumentos e canto), história pessoal e coletiva, fabricação de instrumentos, espiritualidade e ancestralidade. Com esses princípios, o pesquisador defende a integração da capoeira na educação formal. “Como as bases da capoeira são de matriz africana, podem contribuir também para inserir na escola, de forma interessante, debates sobre história e cultura africana e afro-brasileira. E [também] para trabalhar questões como o racismo, em todas as suas dimensões, e a inclusão, de maneira geral. A pedagogia própria da Capoeira Angola pode também dar subsídios para professores e professoras descobrirem novas formas de trabalhar e pensar no seu trabalho,” complementa.
O Mestre também visitou o Museu do Homem do Nordeste (Muhne), que está aberto à escuta da pluralidade de atores e movimentos da sociedade civil para a construção democrática do Plano Museológico 2025-2030. Convidado a colaborar com as suas impressões, Jogo de Dentro salientou a riqueza do movimento capoeirista de Recife e a necessidade de uma escuta dos seus mestres. “É trazer esses mestres para cá e tentar criar um momento deles estarem juntos, conversando, dando ideia e [fazendo] propostas, o que será mais rico para o museu”.
O professor Moisés Santana, coordenador do PPGECI, lamentou a ausência dos saberes ancestrais da capoeira também em outros espaços formais, como as escolas e universidades, devido à persistência do poder do colonialismo até os dias de hoje, ficando o “potencial formativo desses saberes subutilizado”. Moisés ainda acrescenta que o processo de formação dos mestres agrega em si próprio uma rede de preservação desses saberes.
Pedro Silveira também afirma que há um processo de apagamento dos modos africanos de existência no fazer científico devido à longa história colonial no país e corrobora a importância das formas comunitárias e relacionais de matriz africana para a construção da pesquisa científica e do ensino nas instâncias formativas. “Alguns desses princípios se baseiam na inseparabilidade entre corpo físico e mente, entre o fazer intelectual e o fazer corporal; e a Capoeira Angola, da forma compreendida por grandes mestres, como o Mestre Pastinha, tem nesse sentido uma grande contribuição”, defende.
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