top of page

Capitalismo e educação: a influência da Pedagogia das Competências no Novo Ensino Médio

Sessão do EpePE teceu crtíticas ao texto do  Projeto de Lei (PL) 5.230/2023, uma tentativa de mudar a reforma do Ensino Médio realizada pelo governo de Michel Temer


Por Maria Carolina Santos


Esta matéria faz parte da cobertura da revista Coletiva do 9º Encontro de Pesquisa Educacional em Pernambuco (EpePE), promovido pela Diretoria de Pesquisas Sociais (Dipes) da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) em parceria com o Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco.



Uma redução de danos ou a manutenção de uma série de retrocessos? Cercado de críticas, o Projeto de Lei (PL) 5.230/2023, uma proposta do Governo Federal para redefinir a Política Nacional de Ensino Médio no Brasil, foi discutido por especialistas durante o último dia do EpePE.


A  sessão Educação Profissional e Tecnológica e Ensino Médio de Qualidade: críticas, consensos frente a projeto de Lei 5.230/23, materialização das metas do Plano Nacional de Educação reuniu os professores José Nildo Alves Caú (IFPE), Jamerson Antônio de Almeida da Silva (UFPE/CAA) e Marise Nogueira Ramos (UERJ/FIOCRUZ), sob coordenação do professor José Davison da Silva Júnior  (IFPE), para discutir o tema. 


Originalmente, o texto do PL foi uma tentativa de mudar a reforma do Ensino Médio realizada pelo governo de Michel Temer. No congresso, o PL sofreu várias modificações. Entre outras mudanças, o projeto aumenta de oitocentas para mil horas a carga horária anual mínima, sendo que duzentas horas devem ser escolhidas pelo estudante.


As mudanças que a lei propõe ainda estão em suspenso. Isso porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o PL 5.230/2023 com vetos, em agosto deste ano. Com isso, o texto volta para o Congresso, que vai decidir se mantém ou retira os vetos presidenciais.  A previsão é de que a nova votação aconteça ainda neste ano. 


A parte do texto aprovada no Congresso Nacional – e vetada por Lula – previa que o estudante poderia optar, a partir de 2027, por provas adaptadas a uma das quatro áreas de conhecimento referentes aos itinerários formativos do ensino médio nos processos seletivos de ingresso no ensino superior, o que inclui o Enem e vestibulares. Ou seja, já no Ensino Médio o estudante faria o direcionamento para uma futura carreira. 


Para os debatedores presentes na sessão do EpePE, a nova lei é insuficiente para se contrapor aos retrocessos da controversa reforma do governo de Michel Temer. Os especialistas criticam a influência de ideias neoliberais na educação pública, que, segundo eles, se manifestam na fragmentação do currículo, na hierarquização do conhecimento e na priorização da Pedagogia das Competências – que Marise Nogueira Ramos definiu como a redução do papel da educação a uma adequação ao mercado – em detrimento da formação crítica e científica.


Na sessão, o professor José Nildo falou sobre a necessidade de garantir que as reformas educacionais não cedam a condições reducionistas de interesses privados. “São pressões oriundas de um modelo que enxuga o papel do Estado, como as agendas neoliberais que cresceram nos últimos anos no campo educacional”, afirmou. 


Nildo vem pesquisando a política educacional implementada pelas forças de esquerda e do campo progressista no Brasil, após o ano 2000. “Estamos fazendo um estudo de mais de 20 anos, trazendo como uma variante importante a modernização neoliberal, que promoveu mudanças moleculares graduais na educação pública brasileira, tal como uma revolução passiva – termo cunhado pelo filósofo e comunista Antonio Gramsci no qual um grupo social assume o poder sem romper o tecido social, mas modificando-o aos poucos. Modificações moleculares acumuladas vão construir uma verdadeira revolução, alterando a correlação de forças e a formação social”, disse, na palestra. 


O professor também alertou que pela primeira vez no Brasil o percentual de professores com contratação precária – como os temporários – é superior ao dos professores concursados. “Hoje temos mais de 60% de professores com contratos precarizados, sem falar da falta de projetos de valorização do magistério”, disse.


A professora Marise Nogueira Ramos relembrou a construção do Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014 afirmando que, assim como aconteceu no atual, os debates nas conferências eram mais progressistas e arrojados do que o que realmente foi efetivado no PNE. Ela também criticou a falta de um financiamento específico para o plano. 


Marise também comentou, na palestra, que considera que a falta de engajamento nas questões da educação é decorrência do que chamou de “recesso das esquerdas” no Brasil após o governo Bolsonaro, afirmando que é necessário lutar para que as conciliações não tendam para o lado mais financeiramente forte das disputas no campo da educação. 


Na sua palestra, o professor Jameson Antônio de Almeida da Silva criticou o PL 5.230/2023 como ineficiente frente aos ataques que o Ensino Médio tem enfrentado nas últimas décadas. Ele conversou com a revista Coletiva sobre os principais pontos da sua palestra. 


Confira a entrevista abaixo:


Na mesa, você falou muito sobre como as ideias neoliberais se infiltram na educação pública. Como é que você avalia então o Projeto de Lei 5.230/2023, que não é a revogação do novo Ensino Médio, mas fez algumas mudanças? Eu avalio que foi um retrocesso o Governo Federal não ter revogado a reforma do Ensino Médio aprovada durante o governo Temer.  Eu faço uma uma provocação: as 2.400 horas que foram preservadas para a formação geral básica é um ganho ou uma contenção de danos? E eu acho que nem contenção de danos é, na verdade. O conjunto das medidas do PL foi totalmente correspondido aos interesses do movimento Todos pela Educação (Ong que tem entre seus mantenedores o banco Itaú e a Fundação Lemann), dos interesses do capital, que tem, por exemplo, o interesse em fragmentar e hierarquizar o currículo e, sobretudo, fazer presente uma lógica da Pedagogia das Competências. Prevalece a lógica da pedagogia do capital no conjunto do espírito do Projeto de Lei. As incorporações de algumas demandas dos setores – dos professores e dos sindicatos –, na minha concepção, é mais para promover o apassivamento político das forças que reivindicaram a revogação da reforma.


No plano da política educacional, a Pedagogia das Competências é o negacionismo da ciência.

Como é que essa Pedagogia das Competências enfraquece a educação dos estudantes oriundos da classe operária?

No plano da política educacional, a Pedagogia das Competências é o negacionismo da ciência. O que ela promove é o negacionismo da ciência dentro da escola em favor de um conhecimento prático, pragmático. Isso reduz a capacidade de leitura do mundo dos estudantes, seja pela formação geral básica com 2.400 horas ou não, porque eles vão estar ali sendo orientados pela Pedagogia das Competências, pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que é totalmente orientada por ela. Então, o grande prejuízo do ponto de vista da formação dos estudantes está sobretudo na impossibilidade de acesso àquilo que a gente reconhece como um conhecimento poderoso, que é o conhecimento científico, capaz de fazer com que, desde as ciências naturais às ciências humanas, às ciências sociais, se tenha uma visão complexa do mundo e não uma visão eminentemente prática e pragmática. Eu acho que essa é a questão central que precisa ser disputada: a concepção de educação como esse negacionismo da ciência dentro da escola.


A professora Marise Nogueira Ramos falou na mesa que as esquerdas estavam em recesso depois do governo Bolsonaro. Isso também afeta a discussão sobre a educação pública, a discussão sobre o PNE?

É claro. Eu diria, inclusive, concordando com a questão colocada pela professora Marise, que essa questão é até mais profunda. Uma crise teórica profunda e uma crise política de parte da esquerda. Primeiro, porque a esquerda, ou parte significativa da esquerda, abriu mão do marxismo, abriu mão de um horizonte revolucionário e isso tem implicações do ponto de vista da fragmentação que a gente tem hoje na esquerda. Eu diria que o problema ainda é mais profundo. A esquerda não está só em recesso em função da questão do Bolsonaro: mesmo antes, o horizonte programático da esquerda, do ponto de vista do neodesenvolvimentismo pós-moderno da esquerda, desvia e cria um obstáculo para a crítica radical do capitalismo. Limita a capacidade de leitura crítica da crise do capitalismo e, portanto, das possibilidades de sua superação. Então, quando você tem, de um lado, ortodoxos neoliberais e, do outro, neoliberais desenvolvimentistas, está preservado aí o horizonte do projeto capitalista e a opção de um projeto de superação do capitalismo está extremamente rebaixado. Eu acho que tem a ver também, e sobretudo, com a crise profunda do ponto de vista teórico, é uma crise organizativa. E esse recesso da esquerda não é só um recesso no Brasil, é um recesso mundial em função de uma crise que tem horizontes bastante largos e profundos.


A esquerda, ou parte significativa da esquerda, abriu mão de um horizonte revolucionário.

Como é que você vê a implantação do PNE sem ter um financiamento certo?

O PNE 2014 foi criticado por Ivan Valente (deputado federal pelo PSOL) que disse que sem um financiamento que sustentasse aquelas metas e aquelas estratégias, o PNE é apenas uma carta de intenções. Um debate que ainda está por ser feito é sobre o orçamento público, garroteado pelo arcabouço fiscal que limita a vinculação de recursos da saúde e da educação. De um lado, você tem a reiteração do plano de intenções do ponto de vista histórico, porque há mais de 20 anos que a gente vem dizendo que o PNE é carta de intenção por falta de recurso e, por outro lado, o movimento do orçamento público e da macroeconomia restringe a expansão da educação. Eu acho que o governo tem uma contradição fundamental, que é a de ter intenções de ampliação das políticas públicas com a restrição orçamentária. O novo PNE é uma melhora do que estava antes, mas que é muito insuficiente para o que está colocado nas intenções.


Há algum otimismo em relação ao novo PNE?

Eu, como um estudioso de Gramsci, sou pessimista na análise e otimista na ação. Eu acredito que as contradições podem gerar e estão gerando movimentos de resistência a esse avanço da privatização. Agora, eu não acredito que esse otimismo venha de alguma ação mais orientada do Governo Federal. Eu acho que tem que vir de baixo para cima, de alguma forma. A atuação política é que vai construir. O otimismo na ação está exatamente nessa insígnia de que é preciso construir esse otimismo na ação.


A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação da revista Coletiva e da autoria do texto.


Comments


bottom of page