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9ª edição do EpePE destacou a importância dos movimentos sociais para as experiências educativas

Com duas sessões dedicadas ao tema, o encontro colocou em destaque a contribuição das organizações sociais para a transformação da educação





Entre os dias 22 e 24 de outubro, o campus Recife da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) recebeu o 9º Encontro de Pesquisa Educacional em Pernambuco (EpePE). O evento foi realizado com a colaboração de importantes instituições de ensino superior e pesquisa do estado, como a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e a própria UFPE.

Com o tema Desafios do Plano Nacional de Educação (PNE) diante da necessidade de fortalecimento da Democracia, pesquisadores e pesquisadoras discutiram diversos temas sobre o panorama educacional brasileiro. Durante os três dias de programação, a participação dos movimentos sociais nas reivindicações e contribuições para o segmento foi o foco de duas sessões.

A primeira sessão, com o tema Contribuições dos Movimentos Sociais à renovação da educação, contou com a presença do ativista do Movimento Negro, geógrafo e antropólogo à frente do Laboratório de Estudos de Gênero, Étnico-Raciais e Espacialidades da Universidade Federal de Goiás (UFG), Alexandre Ratts; da educadora social pelo SOS Corpo - Instituto Feminista para Democracia e integrante do Fórum de Mulheres de Pernambuco (FMPE), jornalista e socióloga Carmem Silva; e do sociólogo e pesquisador do Centro de Estudos em Cultura, Identidade e Memória (Cecim/Fundaj), Maurício Antunes. A coordenação da mesa foi responsabilidade do doutor em educação e professor da pós-graduação da UFRPE e da Fundaj, Moisés de Melo Santana.

Contribuições dos Movimentos Sociais à renovação da comunicação social foi o segundo tema que recebeu uma sessão na 9ª edição do EpePE. Compuseram a mesa o jornalista e editor do portal de notícias Outras Palavras, Antonio Martins, e o sociólogo e professor do curso de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Luiz Carlos Pinto Júnior. A coordenação da sessão foi realizada pelo doutor em sociologia e professor do Departamento de Educação da UFPE, Rui Mesquita.


Movimentos Sociais e Educação


A sessão do EpePE evidenciou como os movimentos sociais são escanteados nas discussões sobre educação, negligenciando suas importantes contribuições em temas como democratização do acesso à educação formal, valorização das práticas educacionais não formais, adaptabilidade do currículo às vivências das diversas comunidades e inclusão de questões associadas a grupos minoritários no currículo escolar.

Carmen Silva defendeu em sua fala o Movimento Social como uma experiência educativa, citando a antropóloga e ex-ministra do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos Nilma Lino Gomes, que esteve presente na Conferência de Abertura do evento. Para a representante do SOS Corpo e do FMPE, nas atividades de militância sempre há algo a se aprender, desde tarefas técnicas como ligar um projetor e manter um ambiente organizado até a habilidade de oratória, com o desenvolvimento de argumentação e participação em discussões.

Ela exemplificou iniciativas de educação que nascem dentro dos movimentos, seja enquanto política de escolarização com a inserção na educação formal, seja como política de formação, quando há troca de conhecimentos sobre as questões sociais que permeiam as organizações ativistas. São exemplos dessas iniciativas a Universidade Livre Feminista Antirracista, criada em 2007, o Centro de Formação Paulo Freire, encabeçado pelo Movimento Sem-Terra em Caruaru, no agreste pernambucano, e o Projeto Caminhos para Pensar o Brasil com Lenira Carvalho, publicação que se baseia no pensamento da fundadora do sindicato das domésticas em Pernambuco para estudar questões sociais diversas.

No que diz respeito ao PNE, Carmen chama atenção para o fato de o plano não prever incentivo nem ao menos considerar a existência da educação popular e das contribuições dos movimentos sociais em suas diretrizes. Esse contexto demonstra o apagamento histórico da articulação dessas instituições sociais nas lutas pela educação no país.

Nesse cenário, Alexandre Ratts trouxe em sua apresentação uma linha do tempo da participação do Movimento Negro em reivindicações até hoje atuais, como a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira, instituída em 2003, que já aparecia como pauta da entidade desde 1986. Igualdade de gênero e combate ao racismo também estão presentes em documentos como a Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, analisada por Ratts.

O pesquisador destacou ainda que é preciso descolonizar a ciência. “Essa ciência que a gente tem hoje, baseada em sujeito, objeto, objetividade, separações entre universal e particular, método, metodologia, não existia antes da Segunda Guerra Mundial. E depois desse período, que é o tempo da descolonização dos países africanos e asiáticos, a ciência foi se recolonizando e não sabemos como sair disso. Se a Antropologia deixar de existir, eu vou continuar discutindo cultura, raça e experiência, por exemplo”, argumentou o antropólogo em entrevista para a Coletiva.

Ratts pontuou ainda a importância de encarar o trabalho de campo de forma crítica durante os estudos. Ele destaca a questão do tempo da academia, que difere dos processos sociais. “Não podemos achar que as coisas vão acontecer no tempo que nós programamos, no tempo das disciplinas, no tempo do mestrado, do doutorado. Temos sim que respeitar os prazos, mas [temos que pensar] o que é possível fazer para ter de fato um encontro”, explica.

Nesse sentido, a integração com a comunidade precisa ser avaliada. “Não se pode dizer que as pessoas agora são coautoras da minha pesquisa se eu é que decido quem entrevistar, eu é que transcrevo a fala, eu é que cito. Ou ainda dizer ‘eu fui tratado como um filho, uma filha pela comunidade’, quando, na verdade, nunca mais vai ver a comunidade. Precisamos ser um pouco mais críticos dessa experiência”, afirma Ratts.


Movimentos Sociais, Identidades e Cidadanias Interculturais


Desde 2017, a Pós-Graduação em Educação, Culturas e Identidades (PPGECI), da UFRPE e da Fundaj, conta com a disciplina Movimentos Sociais, Identidades e Cidadanias Interculturais (MSICI). Atualmente, os professores Maurício Antunes e Moisés de Melo Santana vêm encabeçando a iniciativa de incorporar o debate na academia.

Maurício explica que a metodologia é dividida entre aulas expositivas e trabalho de campo. Os alunos e alunas se dividem em grupos e seguem para pesquisas sobre algum coletivo, manifestação cultural ou movimento social. O resultado, por sua vez, não fica restrito à sala de aula. Os professores montaram um blog para que os textos circulem amplamente.

Em entrevista à Coletiva, Moisés detalhou a proposta. “Nós temos uma parte introdutória na disciplina que trabalha os conceitos de Movimentos Sociais, depois preparamos e discutimos com os alunos a realização da atividade de campo. Então, eles seguem para pesquisa junto aos movimentos sociais. Depois, há uma organização dessas atividades com participação dos movimentos em rodas de diálogo na própria disciplina. Por fim, preparamos o material para o blog que criamos e guardamos uma memória da disciplina”, descreve.

As produções podem ser diversas, como explica Moisés: “os trabalhos dos alunos e alunas podem ser um artigo, como também um vídeo, um podcast, alguma coisa que traduza um pouco a vivência do que é desenvolvido na disciplina”.

Para o professor, excluir os Movimentos Sociais das políticas educacionais é uma forma de promover a ruptura entre sociedade e educação. “Ainda se pensa os planos de educação muito dentro da estrutura do sistema de ensino formal, seja federal, estadual ou municipal, e nós sabemos que as experiências educativas acontecem em diferentes coletivos e formas de organização que a sociedade já tem. A solução para isso é, por exemplo, destinar recursos e condições para que coletivos desenvolvam escolas comunitárias, bibliotecas comunitárias. Isso é um entrave à ideia da concepção da política educacional e do que é democratizar o acesso ao conhecimento e à educação”, reflete.


E o lugar da Comunicação? 


Uma das sessões temáticas do 9º EpePE dedicou-se a pensar a comunicação enquanto ferramenta de exercício da democracia, fator importante para o avanço das negociações do novo Plano Nacional de Educação, bem como instrumento de educação.

O jornalista Antônio Martins parafraseou Paulo Freire, ao indicar que a comunicação não “é”, mas sim “está sendo”, em referência ao contexto atual de controle dos meios pelos algoritmos. Editor do portal de notícias Outras Palavras, ele afirma que a internet descentralizou a mediação de conteúdo entre as pessoas, mas trouxe, por outro lado, esse instrumento indecifrável para a sociedade em geral, que se guia, principalmente, pelos ganhos financeiros das detentoras de dados. “A comunicação hoje está sendo o algoritmo, uma coisa que não foi criada por nós, não foi feita para nós, não é transparente para nós”, questiona.

Em sua fala, Antônio destacou ainda as dificuldades de avançar no tema institucionalmente. “Esperávamos que o governo Lula conseguisse avançar em temas relacionados à comunicação, mas o que vemos é uma estrutura cooptada”, desabafa.

Já o professor Luiz Carlos expôs seus estudos sobre a relação entre ciência, vigilância e sociedade. Seu trabalho coloca em interação diversas vertentes do conhecimento, como filosofia técnica, cosmologia yanomami, crítica feminista, entre outras. Para ele, as estruturas de comunicação, norteadas pelos algoritmos, agem como máquinas de limitar subjetividades, e o funcionamento das redes sociais é um exemplo disso.

Luiz enalteceu o movimento de rádios livres como um exemplo de subversão à comunicação tradicional e defendeu maior incentivo a esses meios, diante da possibilidade que oferecem de espelhar narrativas mais diversas.





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