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“A Mediação de Conflitos no âmbito Escolar como instrumento de empoderamento de seus atores na construção de nova via de acesso à justiça com a Defensoria Pública”

Francis de Oliveira Rabelo Coutinho

O enfrentamento da violência nas escolas é tema recorrente no espaço das mídias e se torna discurso de ampla verberação ante o envolvimento de jovens em episódios de violência física e verbal gravados como espetáculo ou denúncia e reiteradamente vistos pela sociedade. O espaço da escola é tido apenas como mais um local em que o discurso da violência é apresentado como elemento sintomático de um processo autofágico da sociedade.

O trabalho de mediação de conflitos junto às escolas públicas piloto do estado de Minas Gerais, no desenvolvimento do Projeto MESC – Mediação de Conflitos no Ambiente Escolar, lema “Paz em Ação”, prática pioneira da Defensoria Pública no Estado, veio do amadurecimento e comprometimento institucional que trouxe a lume a alteração na lei federal da carreira no cumprimento da nova função do defensor público de atuação extrajudicial através dos meios autocompositivos e enquanto agente de cidadania.

O tratamento do tema da violência na escola, sob o prisma da mediação de conflitos, versa sobre a mudança do olhar sobre a violência, enquanto fenômeno causador de atos indesejáveis e ilegais, e, vê-la enquanto fator demonstrativo de necessidades insatisfeitas, relações interpessoais desfeitas ou mesmo intercorrência de problemas diversos. Certo é que a violência pode ser tida como o conflito que não pôde ser cuidado.

A visão moderna do conflito já assinala que ele não é positivo nem negativo em si mesmo, no entanto, é sabido que a mediação pode trabalhar o conflito de modo positivo, criando e restaurando a possibilidade de diálogo, demonstrando as diferenças e aproximando os indivíduos. Daí propõe-se o uso do instrumento da mediação de conflitos enquanto forma de melhoria das relações interpessoais e construção de espaço democrático na escola. Não é panaceia! Não é fórmula milagrosa! É plantio cuidadoso, árduo e comprometido entre agentes responsáveis pela escola.

O trabalho empreendido dentro das escolas, semanalmente, pelo defensor público, na execução do Projeto MESC é amparado na preocupação constante de respeito à autonomia do gestor, normas internas e projetos pedagógicos. É união de esforços do defensor e gestor com a comunidade para construção de um novo modelo de comunicação que exigirá esforço conjunto e mudança de hábitos e rotina nas relações de comunicação e poder. Experiência muito rica e fortalecedora de vínculos entre os atores.

 

Trabalho que provoca o autoconhecimento dos envolvidos e reflexão de suas posturas no ambiente da escola e fora dele. Esse processo se dá, quase exclusivamente, intramuros, ou seja, a mediação de conflitos propõe o trabalho dos problemas ocorridos dentro da escola ou que com esta tenham relação. Pergunta-se: e os problemas fora da escola, na comunidade, no entorno, na família? E a resposta vem límpida como água de fonte… Além da mediação de conflitos, a escola pode contar com a articulação em rede dos parceiros.

Assim, a mediação de conflitos na escola se preocupa com o fortalecimento da autonomia da escola. Cuida do empoderamento de seus atores, resguardando a situação de sujeitos de direitos capazes de assumirem suas funções enquanto agentes na escola e cidadãos plenos no exercício da cidadania e práticas democráticas. A escola exercita formas de diálogo e melhoria de suas relações interpessoais e constrói caminhos de convivência respeitosa, exercitando a escuta ativa.

 

Por seu turno, a Articulação em Rede vem apoiar a escola quando houver necessidade de prestação de serviços ou encaminhamentos a outros órgãos e autoridades, fora do âmbito e competência escolar. A própria escola vai criar e gerir a demanda da rede. Compreendemos que a rede deve apoiar e não servir de suporte permanente à escola. Acreditamos que a escola deve possuir condições plenas e integrais de exercer sua autonomia. Responsabilidade do Estado.

 

Certo é que um passo além da formação da rede, e de grande valia para a escola, é a feitura de protocolos com os parceiros públicos, por exemplo. Reuniões com os parceiros da rede para estabelecer formas e rotinas de atendimento e encaminhamento para facilitar o atendimento a casos mais complexos, como aqueles em que há necessidade do encaminhamento ao Conselho Tutelar e ao CRAS, além das providências no âmbito da SEE/MG e Justiça.

É mister esclarecer que a violência não é exclusiva do ambiente escolar, mas é fruto de fatores exógenos forjados na meio social e culturalmente gestados. A mediação de conflitos possibilita a convivência com as diferenças através da empatia e da escuta. A vivência com o trabalho nas escolas tem demonstrado que o espaço para ouvir os atores da escola minimiza e previne os conflitos, pois que humaniza as relações e provoca o repensar para agir.

 

Não poderíamos deixar de fazer menção ao importante elemento catalisador das ações e trabalho empreendidos com o gestor e o defensor público – os jovens mediadores, lideranças que atuam no projeto e fazem a diferença junto aos demais jovens na escola. Nesse viés, o Projeto MESC, assim como outras ações da comunidade, utiliza o protagonismo juvenil como alavanca para a mudança de visão na escola.

Compreende-se, na experiência da mediação escolar vivenciada, que a paz dentro da escola deve ter em vista o sentido primeiro do princípio da alteridade, ou seja, no trabalho pela paz, esta deve ser tida como algo que vai além do querer individual, do sentimento pessoal, e, sim, ter a compreensão de ser algo almejado por todos, e, trabalhada diuturnamente como bem comum.

A metodologia da mediação escolar tal como desenvolvida pela defensoria mineira no MESC compreende a previsão de três fases principais e distintas, podendo a escola sugerir e inovar na execução de acordo com suas peculiaridades. O trabalho se inicia com as visitas do defensor público à escola e a anuência do gestor na coconstrução do projeto. A agenda semanal é organizada em conjunto para o início (1ª fase) das palestras de sensibilização ao tema da mediação dos atores (professores, alunos e funcionários).

 

Após o encerramento da fase das palestras, forma-se um grupo de voluntários para participação em um curso básico de mediação e convivência cidadã de 40 horas na escola (2ª Fase), ministrado pelo defensor e participação eventual de convidados. Os participantes do curso serão certificados enquanto mediadores e será inaugurada a sala de mediação na escola (3ª Fase). Este espaço será utilizado para as sessões de mediação, encontros de lideranças, projetos pedagógicos afins e formação do grêmio estudantil (número existente muito aquém do desejado pela autora).

Findas as três fases inicialmente previstas, o defensor público supervisionará o emprego da mediação na escola, no processo já instaurado e criado em conjunto com a comunidade escolar. Todavia, é bom frisar, que a partir de então, a escola exercitará sua autonomia para gerenciar o andamento dos trabalhos nas ações do grupo.

Cumpre assinalar a dificuldade do cotejo dos dois momentos, a construção do projeto em três fases e sua supervisão, pois que, conforme dito acima, agora vige a não interferência nas ações da escola em nome e zelo da autonomia da mesma e seu pronto desenvolvimento. A autonomia é um processo crescente e o empoderamento deve ser constante. As decisões são dos atores, não da autoridade que auxiliou no projeto. Exemplificando, se ocorre um caso de agressão na escola e o pai de um aluno se desloca para a escola, o grupo, já treinado, diretor, vice-diretor, mediadores, decidirá como proceder seguindo o treinamento e o que foi decidido em conjunto.

 

Nesse momento, o defensor, se procurado, deve enfatizar a autonomia, indagando sobre o que havia sido combinado antes, peculiaridades do fato, uso da sala de mediação, participantes da conversa e o que mais se fizer necessário. O defensor público não deve agir opinando, decidindo ou posicionando-se acerca de decisões que porventura tenham sido tomadas pela gestão ou equipe de mediadores, pelo contrário, deve incentivar ações de autonomia.

Trazemos para um cauteloso trabalho de reflexão a pergunta: Que escola queremos: a escola que ensina e constrói o respeito ou a que ensina a obedecer a quem detém poder?

A mediação de conflitos como instrumento nas escolas propõe uma importante ruptura com a usual visão de que o agente do sistema de justiça deve atuar nos gabinetes e Fóruns Judiciais, ao invés, demonstra a importância da atuação extrajudicial do defensor público junto às comunidades escolares, como agente de cidadania e transformação social, em nova forma de acesso à justiça, aquela construída pelas partes, cientes do discurso, revalorizadas e relegitimadas para o exercício democrático.

A utilização da mediação de conflitos enquanto técnica de autocomposição de litígios na escola no Projeto MESC – Mediação de Conflitos no Ambiente Escolar é fruto de estudo atento de construção com prática dialogal nas escolas encontrando-se em execução e em constante evolução, expandindo os trabalhos para novos locais do interior mineiro. Foi uma das práticas exitosas do I Concurso da Defensoria Pública de MG e Prática Finalista do XII Prêmio Innovare do Judiciário, tendo recebido menção honrosa do STF.

PARA SABER MAIS 

MELO, Doriam Luis Borges de; CANO, Ignácio (Orgs.). Índice de Homicídios na Adolescência: IHA 2012. Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2014. Disponível em <http://www.unicef.org/brazil/pt/br_IHA2012.pdf>. 

SECRETARIA NACIONAL DE JUVENTUDO. Mapa da violência: Os jovens do Brasil. Disponível em <www.juventude.gov.br/juventudeviva>. 

MULLET; Judy H.; AMSTUTZ, Lorraine Stutzman. Disciplina Restaurativa para Escolas. São Paulo: Palas Athena, 2012, 118p.

PRANIS, Kay. Processos Circulares. São Paulo: Palas Athena, 2010.

TERRE DES HOMMES. Construindo relações de cuidado: um guia para implementar práticas restaurativas nas escolas. Fortaleza: Terre des hommes Lausanne no Brasil, 2013.

______. Modelo de ação para prevenção da violência e práticas restaurativas em contexto escolar. / Terre des Hommes. Fortaleza: Terre des Hommes, 2015.

ZEHR, Howard. Trocando as Lentes. Um novo foco sobre o crime e a Justiça Juvenil Restaurativa. Tradução Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athenas, 2008.

______. Justiça Restaurativa. Tradução Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athenas, 2012.

A AUTORA

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Francis de Oliveira Rabelo Coutinho é defensora pública, classe especial, do Estado de Minas Gerais e titular da 1ª Defensoria Especializada de Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais. É autora e coordenadora do Projeto MESC – Paz em Ação nas Escolas.

COMO CITAR ESSE TEXTO

COUTINHO, Francis. A Mediação de Conflitos no âmbito Escolar como instrumento de empoderamento de seus atores na construção de nova via de acesso à justiça com a Defensoria Pública. Revista Coletiva, Recife, n. 20, set.out.nov.dez. 2016. Disponível em: <https://www.coletiva.org/dossie-violencia-escolar-n20-a-mediacao-de-conflitos-no-ambito-escolar-como-via-de-acesso-a-jus>. ISSN 2179-1287.

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