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Reportagem

Terceirização afeta custo do trabalho

Lei sancionada pelo Governo Temer gera crítica por parte de sindicalistas. Proposta pode gerar impactos diferenciados por setor

Marcelo Robalinho

Marcos Micareli, 53, trabalha em Juiz de Fora, município da Zona da Mata Mineira, como porteiro há 15 anos. Após ter tido carteira assinada no primeiro condomínio em que trabalhou ainda no começo da carreira, ele optou, nos últimos anos, por se tornar terceirizado numa empresa especializada que presta serviços para edifícios na cidade. Atualmente, ele é porteiro noturno há cerca de um ano no Edifício Metropolitan Residence, situado no bairro de Santa Luzia, onde presta serviço em algumas noites e madrugadas toda semana. No atual emprego, ela assegura ter todos os direitos garantidos pela atual empresa.

“Estou muito satisfeito na firma em que trabalho atualmente, pois ela me dá todo o suporte necessário para trabalhar bem, pagando em dia e com salário maior que a média da categoria. Mas sei que essa questão da terceirização varia de empresa para empresa. Tenho colegas que trabalham, sobretudo, na área de segurança que não estão na mesma situação que a minha e já passaram por sérios problemas com as empresas a que estavam anteriormente vinculados”, afirma Marcos.

A existência de funcionários terceirizados trabalhando em edifícios – seja na portaria ou no serviço de limpeza – tem se tornado cada vez mais comum em Juiz de Fora e em outras cidades brasileiras e vem se expandindo, pouco a pouco, para outros setores da economia. Com a criação da Lei nº 13.429/2017, sancionada pelo Presidente Michel Temer no dia 31 de março de 2017, a terceirização se tornou uma realidade mais abrangente. Pela nova legislação, ficou autorizada a ampliação do uso da modalidade de trabalho temporário e foi abolido o caráter de contratação para situações extraordinárias, como ocorria antes.

Em atendimento “à necessidade de substituição transitória de pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços”, a Lei 13.429 modificou o conceito de trabalho temporário, estendendo-o tanto nas atividades-fim, como nas atividades-meio da empresa contratante. Determinou ainda o uso desse tipo de contrato nos três níveis da administração pública e na área rural, além de ter substituído a responsabilidade solidária entre a empresa prestadora de serviços (que fornece o trabalho temporário) e a empresa tomadora de serviços (aquela que contrata) pela chamada responsabilidade subsidiária. Na prática, essa responsabilidade subsidiária define que os trabalhadores só poderão cobrar dívidas na justiça da empresa contratante depois que se esgotarem todas as possibilidades legais junto à prestadora de serviços.

“A terceirização defendida pelos empresários – e agora sancionada pelo Governo Temer – busca contratar empresas especializadas, através do uso de mão-de-obra terceirizada. Só que, no mundo real, a terceirização nos mostra uma tendência à redução do custo do trabalho sem quaisquer garantias ao trabalhador. Ela é bem objetiva nesse sentido. Você hoje vê empresas que abrem e fecham sem pagar nenhum direito aos seus empregados e depois voltam com outro nome, cometendo fraudes e gerando passivos, além de um custo maior para as empresas contratantes”, diz Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

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Terceirização reduz garantias para trabalhador, diz Clemente. Fonte: Aline Bassi/Balaio de Ideias

Na Nota Técnica nº 175 do Dieese, publicada em abril de 2017, o órgão (responsável pela realização de pesquisas ligadas ao ambiente do trabalho) considerou a regulamentação recente da terceirização “excessivamente genérica e omissa em vários aspectos das relações de trabalho nas empresas de prestação de serviços e entre essas e as contratantes”. Esse aspecto poderá levar ao aumento da insegurança no ambiente de trabalho, bem como da insegurança jurídica entre trabalhadores e empresas. Segundo o o Dieese, “o texto legal é muito frágil quanto à garantia dos direitos e à proteção dos trabalhadores terceirizados, aumentando riscos de crescimento de precarização das condições de trabalho e rotatividade”.

O documento acrescenta também que “a permissão da quarteirização e da subcontratação, inclusive por PJs [pessoas jurídicas], pode levar à fragmentação excessiva dos processos produtivos, dificultando a fiscalização, pelos órgãos governamentais, do cumprimento de obrigações fiscais e previdenciárias pelas diversas prestadoras de serviços. Caso isso ocorra, ficará comprometido o almejado equilíbrio financeiro das contas públicas e da previdência, já seriamente prejudicado pela queda drástica da arrecadação causada pela grave recessão que o país atravessa. Em síntese, a mudança legislativa não contribui nada para estabelecer relações de trabalho equilibradas nem para melhorar o ambiente econômico”.

 

 

Para Clemente Ganz Lúcio, do Dieese, há cenários que deveriam ter sido discutidos antes da aprovação da lei, como os trabalhadores com dedicação em tempo integral ou disponibilidade de tempo diferente. “Muitas categorias tiveram ganhos trabalhistas ao longo dos últimos anos que foram fruto de debates e muita negociação. Hoje, existem novas ocupações que precisam de regulamentação, como as áreas de tecnologia, informação e comunicação, assim como os empregados que trabalham à distância”, considera. Entre os pontos que ficaram de fora da nova lei e deveriam ter sido garantidos, ele destaca o fortalecimento da negociação coletiva, o estabelecimento de um sistema de relações de trabalho a fim de construir soluções ágeis e a alta representatividade sindical desde os locais de trabalho até as esferas mais altas.

Novos desafios para os sindicatos

Aliada à Proposta da Emenda Constitucional 287, que propõe a reforma da Previdência, a aprovação da Lei 13.429/2017 pode piorar ainda mais as condições de vida do trabalhador brasileiro não só mudando a estrutura do mercado de trabalho e aprofundando as desigualdades, mas também aumentando as desigualdades sociais no país, aponta Graça Costa, secretária de Relações do Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “A reforma trabalhista e a da Previdência são duas medidas que vão precarizar profundamente o mercado e as relações de trabalho. Hoje, temos mais de 12 milhões de trabalhadores que são terceirizados, recebendo menos e adoecendo mais que os trabalhadores permanentes pelas condições mais precárias de trabalho. Com essa nova lei, a precarização será generalizada nas relações de trabalho, podendo atingir categorias com organizações sindicais fortes”, acredita Graça.

Graça Costa, da CUT, prevê mudanças na organização sindical

Ela cita o setor dos bancários, considerado hoje uma área organizada e que consegue se mobilizar nacionalmente. “Com a substituição dos bancários por funcionários terceirizados, os sindicatos que hoje existem só vão ter direito de representar a categoria quando ela for semelhante à massa trabalhadora preponderante no setor. Ou seja, haverá um esfacelamento da própria categoria e os terceirizados, com certeza, não terão a mesma força que os trabalhadores permanentes. Os trabalhadores da limpeza e da vigilância nos bancos, hoje funcionários terceirizados, estão vinculados a outros sindicatos, diferentemente do passado, quando um sindicato representava todos os trabalhadores.

 

Com a terceirização, vai sempre haver o risco de os trabalhadores serem demitidos, além do que será mais difícil fazer greve como forma de reivindicação por direitos”, exemplifica Graça Costa. A dirigente ressalta que o movimento sindical não é contra as reformas e as mudanças, porém elas devem ser fruto de uma regulação coletiva que mantenha as conquistas já obtidas e avance na direção de novas conquistas, sendo positiva para ambas as partes, trabalhador e empresário.

Ronald Carvalhosa, diretor da Secretaria de Imprensa do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, não tem dúvida de que a terceirização é nociva para o trabalhador, implicando em redução de salários, direitos e benefícios e, dependendo do setor, aumento dos acidentes de trabalho. “Com a nova lei, tememos que possa ocorrer uma perda na qualidade do trabalho bancário, com risco de quebra de sigilo bancário, devido à perda de vínculo que poderá ocorrer com os novos trabalhadores terceirizados, inclusive os gerentes, que também poderão ser terceirizados. O patronato junto com o atual Governo rasgou a CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] com uma legislação cruel, que prevê ainda que uma empresa seja criada sem qualquer empregado, podendo ser quaternária ou até mais. A perda de benefícios será muito grande”, opina.

Nos anos 80, segundo cálculos de Carvalhosa, havia cerca de um milhão de bancários no Brasil. Atualmente, esse número caiu para 430 mil. “Existe mais de um milhão de terceirizados que presta serviço ao setor, incluindo promotores de vendas, trabalhadores de carro-forte e empregados ligados a empresas de cartão de créditos. Esses trabalhadores não têm os mesmos direitos da categoria que os de bancários. Embora seus contratos sejam regidos pela CLT, eles têm direitos diferenciados, auxílio-alimentação e hora-extra com valor reduzido e plano de saúde inferior que os trabalhadores permanentes, sem contar com uma jornada de trabalho maior”, estima. Só no município do Rio de Janeiro, existem 32 mil bancários, dos quais um terço trabalha em bancos públicos, com média salarial mais alta e mais benefícios.

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Graça Costa, da CUT, prevê mudanças na organização sindical | Foto: Roberto Parizotti.

Mudanças no cenário do trabalho seguem tendência mundial

 

A desregulamentação da economia vem ocorrendo com mais força desde os anos 90

As mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho, incluindo a reforma trabalhista e da Previdência, não são exclusivas de hoje nem se restringem ao Brasil, embora tenham se aprofundado no contexto atual. Nos anos 90 do século XX, lembra Clemente Ganz Lúcio, do Dieese, já havia uma visão muito forte no país sobre a desregulamentação da economia. “Na verdade, desde a Crise de 1929, caracterizada por uma grave recessão econômica no mundo, a ideia de um ambiente em que a sociedade teria um desenvolvimento econômico de mercado com situação regulatória favorável foi caindo por terra. Isso foi observado de forma mais latente entre os anos 50 e 70. Nos anos 80, houve uma reação forte que cresceu mais para a desregulamentação do setor financeiro e que também impactou o cenário do setor do trabalho”, aponta.

Em 2008, o ambiente recessivo gerou graves crises fiscais e acabou pressionando para que o custo do trabalho fosse reduzido. A crise financeira, observada inicialmente nos Estados Unidos, foi estendida depois para países da Europa, como Portugal, Espanha e Grécia. Destes, a Grécia foi o mais atingido, em função de problemas fiscais anteriores e altas dívidas públicas do país, maiores inclusive que o próprio Produto Interno Bruto (o PIB), que representa a soma de todos os bens e serviços produzidos num determinado local durante certo período. Em 2009, o déficit no orçamento grego era da ordem de 13,6% do PIB, um dos mais altos da Europa. Hoje, a dívida está na faixa dos 300 bilhões de euros, gerando desconfiança nos investidores. “Além disso, a pressão demográfica com o aumento de contingente populacional mais velho e menor contingente economicamente ativo jovem provocou uma dupla pressão: fiscal e trabalhista. Isso levou a um novo conjunto de ideias e valores em escolas de economia ganhando força no contexto mundial e no Brasil também para as mudanças”, indica o diretor do Dieese.

Nos governos de Lula e de Dilma, afirma, houve um anteparo para que essa agenda não fosse flexibilizada. “No Governo Temer, a agenda veio com mais força a favor da precarização, limitando o acesso dos trabalhadores a direitos como da Previdência Social. O impacto disso: mais anos de trabalho e maior tempo de pagamento da conta para aposentadoria e muda os critérios que reduzem o cálculo da previdência. Já a reforma trabalhista mexe com vários aspectos, a exemplo da terceirização. No contexto de desemprego elevado, ocorre uma fragilização das representações sindicais, que perdem força nas mesas de negociação, bem como se observa uma redução das propostas salariais, da proteção e da assistência”, argumenta Clemente.

No Brasil, diz ele, o mercado de trabalho é bastante heterogêneo, seja de trabalhadores com nível de proteção, como os servidores públicos e os celetistas, seja de trabalhadores sem nível algum de proteção, como os empregados sem acesso à Previdência Social. Os trabalhadores informais, como os comerciantes de rua, por sua vez, são outro grupo sem proteção alguma. Não são assalariados, não contribuem com a Previdência e não têm segurança. “Com a precarização, teremos uma aproximação entre esses dois grupos, com a perda de parte importante dos direitos adquiridos”.

 

Dificuldade de resposta do Ministério do Trabalho

A Revista Coletiva entrou em contato, desde março de 2017, com a Assessoria de Imprensa do Ministério do Trabalho para solicitar uma entrevista com um dirigente ou técnico especializado para comentar sobre as mudanças propostas pela reforma trabalhista. Ficou acertada uma conversa por telefone com o secretário de Relações do Trabalho, Carlos Lacerda, porém o mesmo não atendeu aos telefonemas durante dias. Mesmo a reportagem alegando dificuldades em falar com o gestor, a Assessoria de Imprensa sugeriu continuar insistindo nas tentativas de telefonema por ser a única pessoa do Ministério que poderia falar sobre o assunto. Porém, todas as novas tentativas foram sem sucesso. O departamento encaminhou o PDF da cartilha elaborada pelo Ministério sobre a mudança proposta pela reforma trabalhista. O documento busca explicar o teor da reforma através de perguntas e respostas.

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Cartilha do Ministério orienta sobre principais pontos do projeto de lei | Foto: Divulgação.

“O texto foi concebido com a premissa de que não poderia haver a redução de nenhum direito trabalhista. O projeto reafirma e aprimora direitos assegurados na Constituição e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ele também garante segurança jurídica, ao conferir força de lei às convenções e aos acordos coletivos, fortalecendo a atuação sindical e evitando a judicialização de questões aprovadas por trabalhadores e empregadores. Além disso, o projeto de lei visa criar oportunidade de ocupação com renda, por meio da abertura de novas vagas de empregos, e combater duramente a informalidade da mão-de-obra”, escreve o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, na apresentação da cartilha. Você confere o PDF do documento no link abaixo:

http://trabalho.gov.br/images/Documentos/ASCOM/cartilha_modernizacao.pdf

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