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DOSSIÊ PRECARIZAÇÃO E TRABALHO 

Editorial

No momento em que o atual governo tenta aprovar reformas trabalhistas e previdenciárias que retiram direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora, este dossiê ganha especial relevância, pois fornece um ângulo diferente daquele oficialmente oferecido pela grande mídia ao imenso contingente da população que poderá ser atingido por tais projetos: a perspectiva da precarização do trabalho. Este tema ganha relevância central nos estudos do trabalho na atualidade desde que o chamado neoliberalismo passou a orientar a política econômica dos países inseridos no circuito comercial e financeiro do grande capital transnacional.

O modelo de economia neoliberal, também conhecido como globalização, se fundamenta na ideia de que a lei da oferta e demanda é suficiente para regular os preços e assegurar o equilíbrio e crescimento econômico. Para tanto, prevê o Estado mínimo no que tange à sua participação no mercado, inclusive no mercado de trabalho, o que passa pela privatização de empresas estatais e quebra do protecionismo ao comércio nacional, visando a facilitar a livre circulação de capitais internacionais.

 

Este modelo de economia e de Estado começou a ser implantado nos países de industrialização avançada no final dos anos 1980, em resposta às crises provocadas pelo protecionismo aos mercados nacionais, que então orientavam as suas políticas de desenvolvimento, levando os governos dos países periféricos a seguirem medidas semelhantes.

A liberalização do comércio exterior estabeleceu uma economia em rede, facultada pelo uso das tecnologias de informação, que permitiu às empresas transnacionais instalarem parte de suas cadeias produtivas, e serviços coligados, pelo globo afora em busca de baixos salários. Como forma de atrair este capital estrangeiro, os governos nacionais têm se valido de políticas de desregulamentação e flexibilização da legislação trabalhista que barateiam ainda mais a força de trabalho, já que viabilizam contratos de trabalho isentos de encargos sociais e outros benefícios trabalhistas previstos para contratos regidos pela CLT.

Essa estratégia tem ensejado, ainda, processos de terceirização que escondem o seu nexo com as cadeias produtivas transnacionais e encobertam relações de assalariamento a estas subordinadas, além de transferir a responsabilidade dos impostos trabalhistas e as consequências das instabilidades dos mercados nacionais para as empresas terceirizadas. Diante disso, essas também recorrem a contratos de trabalho flexíveis como modo de baratear custos de produção e, assim, poderem se manter em um mercado de concorrência acirrada. Nesse contexto, os mercados de trabalho de cada país também ficam sujeitos à lei da oferta e da procura, o que leva à generalização das novas formas de contratação que escapam da legislação trabalhista.

Esta realidade é mais premente nos países menos industrializados, onde tradicionalmente predomina uma força de trabalho mais barata e com um aparato de seguridade social mais frágil relativamente aos países centrais. No Brasil, as políticas neoliberais mais sistemáticas começaram a ser implementadas sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1995. Desde então, o mercado e condições de trabalho do país vêm sofrendo um crescente processo de precarização que, no presente, corre o risco de se agravar de maneira sem precedentes em vista da reforma trabalhista agendada por um governo que retomou o programa neoliberal em sua forma mais radical.

É esta a tela sobre a qual serão tecidas as seções que compõem este dossiê. O diagnóstico que os orienta é o de que a precarização do trabalho, já característica das condições de trabalho sob o capitalismo, se intensificou a partir da disseminação do neoliberalismo em escala mundial, tendo como principal foco o Brasil dentro deste quadro.

O entrevistado deste número é o pesquisador Ricardo Antunes, renomado teórico da sociologia do trabalho, que apresenta, entre outras questões relevantes, a conjuntura que ensejou a adoção do paradigma econômico neoliberal nos países centrais, permitindo compreender tanto as crises que detonaram a sua implantação, como aquelas por este provocadas, e suas consequências sobre o mercado e condições laborais dos países que o implementaram.

Abrindo a seção de artigos, o sociólogo Ariovaldo de Oliveira Santos traz uma definição conceitual da precarização do trabalho partindo de uma concepção de ser humano que destaca o seu aspecto criativo, histórico e social em sua relação com a natureza. Ao separar os indivíduos da natureza, colocando-os dentro de indústrias e cidades, o capitalismo também os aliena desse potencial, ao mesmo tempo em que funda formas de resistência específicas a esse processo através da constituição de sindicatos, demonstrando o quanto precarização do trabalho e sindicalismo se entrelaçam na história das lutas da classe trabalhadora.

A professora do Departamento de Ciências Sociais da UFES, Lívia de Cássia Godoi Moraes, evidencia a subordinação do capital produtivo ao capital financeiro que caracteriza o capitalismo neoliberal, e como as imposições da financeirização na gestão das grandes empresas e suas metas de produtividade para atrair e manter investimentos impactam no cotidiano dos trabalhadores através de constantes processos de reestruturação produtiva que incorrem em automatização, demissões, terceirizações e intensificação do trabalho por meio do uso de tecnologias informacionais.

 

A pesquisadora Angela Maria Carneiro Araújo mostra que este enxugamento das grandes empresas acarreta uma crescente informalidade do mercado laboral e a reconfiguração do trabalho informal, visto que este não se coloca mais à margem da produção em grande escala, mas, ao contrário, é absorvido de forma precária dentro de suas cadeias produtivas.

Os artigos do economista José Dari Krein e do sociólogo Sávio Machado Cavalcante demonstram, respectivamente, que a flexibilização da legislação trabalhista e a terceirização são as vias de entrada da atual onda de precarização do trabalho, dado que oportunizam o uso da força de trabalho fora das condições contratuais e salariais determinadas pela CLT e escondem novas formas de assalariamento subordinadas às cadeias produtivas transnacionais que passam ao largo da seguridade social.

O professor Henrique José Amorim, demonstra que a precarização do trabalho também atinge o contingente da força de trabalho cujas atividades são mais intensivas no uso de novas tecnologias, visto que a informatização dos processos produtivos possibilita a exploração da sua dimensão imaterial através de ideias e sugestões para a melhoria de produtos e serviços que, incorporados aos softwares gerenciais, otimizam a lucratividade das empresas. Nesse sentido, o pesquisador Giovanni Alves evidencia como a exploração da dimensão imaterial da força de trabalho requer uma “captura da subjetividade” dos trabalhadores envolvidos nesse processo de maneira a engajá-los aos propósitos empresariais.

o sociólogo Sadi Dal Rosso revela que estas novas formas de exploração do trabalho denotam um aprofundamento da intensificação do trabalho, na medida em que o medo do desemprego pressiona, ainda mais, o envolvimento da força de trabalho em busca de maior produtividade. Em complementação, a professora da Universidade de São Paulo, Vera Navarro, discorre sobre os efeitos na saúde física e psíquica do trabalhador, que se deterioram frente ao quadro de intensificação e instabilidade laboral que caracteriza o capitalismo contemporâneo.

A seção Artigos é finalizada com o texto da pesquisadora Selma Cristina Silva, que apresenta uma sistematização dos indicadores de precarização do trabalho que fornece uma valiosa ferramenta para balizar esta questão, demonstrando, ainda, que este fenômeno agrava as desigualdades sociais relativas às formas de inserção no mercado de trabalho, que incidem, especialmente, sobre as mulheres e trabalhadores terceirizados.

Na reportagem desta edição, Marcelo Robalinho traz uma breve matéria que atualiza a situação da terceirização diante da recente criação da Lei nº 13.429/2017, sancionada pelo Presidente Michel Temer, que anula sua restrição às atividades relacionadas diretamente aos negócios das empresas, as chamadas atividades-fim, permitindo abranger também as atividades-meio, tais como serviços de segurança, limpeza, vigilância, manutenção de equipamentos, contabilidade, etc.

O Vídeo sugerido desta edição traz uma entrevista concedida pelo professor de Sociologia da USP, Ruy Braga, ao programa “Aula Pública”, em que discute sobre a Precarização do Trabalho no Brasil.

 

A seção Memória retrata por meio de imagens do acervo da Fundaj os elevados índices de informalidade e as péssimas condições de trabalho na Região Nordeste.

Boa leitura!

EXPEDIENTE

Edição temática:  Simone Wolff | Editores: Pedro Silveira, Marcelo Robalinho, Alexandre Zarias e Allan Monteiro | Apoio editorial: Maria Luiza Alves, Paloma de Castro | Capa: Ícaro Soriano, ilustração baseada na foto “Almoço no topo de um arranha-céu”, de Charles C. Ebbets,  1932 | Revisão: Hugo Gonçalves | Entrevista: Ricardo Antunes | Reportagem: Marcelo Robalinho | Artigos: Ariovaldo Santos, Lívia Moraes, Angela Araújo, José Dari Krein, Sávio Cavalcante, Henrique Amorim, Giovanni Alves, Sadi Dal Rosso, Vera Navarro e Selma Silva  | Memória: Darcilene Gomes

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