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12 de junho de 2019

De zonas de sacrifício à luta por justiça ambiental: a cidade é feita pra quem?

Fabrina Furtado

“Eu estava em paz no meu mocambo e agora não tenho mais casa. Trabalhei a vida toda e hoje vivo jogado. É um absurdo. Governador, você sabe o que é não ter casa?”

 

José Henrique Filho, 86 anos, morador do Loteamento São Francisco, bairro Timbi, do município de Camaragibe,Região Metropolitana de Recife,2014

“Desde 2010, quando a CSA foi inaugurada, e ainda mais quando caiu o pozinho de prata que invadiu nossas casas, os problemas de saúde aumentaram entre as pessoas onde eu moro. A saúde está complicada e nosso meio ambiente está pior, nossas árvores estão morrendo”.

Moradora de Santa Cruz, Margarete dos Santos, 2016

“Aqui se envelhece rápido.”

Catador de material reciclável, Lixão da Estrutural, Distrito Federal, 2016

“Eu quero uma natureza alegre. Não quero uma natureza triste, morta, com o rio poluído. Eu quero um rio onde eu possa tomar banho sem me contaminar, eu quero vida. Eu quero natureza. Eu quero meio ambiente. Eu quero estar junta”.

Moradora do bairro de Icoaraci, cidade de Belém, na beira do Rio, 2018

Em Icoaraci, a população convive com escassez de água e falta de saneamento básico. Além de não ter água potável nas torneiras, consomem água do rio poluído com seus próprios dejetos[1].

 

Moradores e catadores de lixo da Cidade Estrutural, segunda maior favela do distrito federal, onde por mais de quarenta anos funcionava, ilegalmente, o maior lixão da América Latina, foram contaminados por doenças relacionadas ao contato com o lixo, como a leptospirose, doenças respiratórias e gastrointestinais, além de conviverem com insegurança alimentar e o trabalho infantil.

 

O bairro do Timbi, na Região Metropolitana do Recife, foi um dos mais atingidos por remoções em decorrência da Copa do Mundo. As mais de 100 famílias que residiam na região há mais de 40 anos tiveram seus direitos violados por causa do Ramal Cidade da Copa, que conectava a cidade de Recife e a Arena da Copa, estádio de realização dos jogos.

 

No bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, a população convive com a chamada chuva de prata - emissão de material particulado – da vizinha, a  ThyssenKrupp, Companhia Siderúrgica do Altântico (TKCSA), com efeitos negativos sobre sua saúde, em especial, no que se refere a problemas respiratórios, oftalmológicos e dermatológicos, conforme relatos do documentário "Meu jardim não é uma usina", produzido pelo Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Instituto PACS). Para quem é feita a cidade?

Tomamos o caso da TKCSA. Instalada em 2007, em Santa Cruz, bairro da Zona Oeste do município Rio de Janeiro, após ter sido impedida de fazer o mesmo na Alemanha, sede da empresa, e depois na Rússia. A TKCSA é a maior siderúrgica da América Latina e o maior investimento privado da Alemanha no exterior.

 

Em fevereiro de 2017, a Ternium, maior produtora de aço na América Latina e sócia da Usiminas foi vendida para a Argentina. A empresa foi acusada de descumprimento da legislação ambiental, da interrupção da pesca artesanal, de danos à saúde dos/as moradores que vivem no entorno e de violações de direitos civis e políticos de pessoas e coletivos que resistem e denunciam os efeitos negativos deste empreendimento.

Em entrevista sobre as ações ambientais da empresa, no bairro de Santa Cruz e na cidade do Rio de Janeiro, em 2012, ano da realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio + 20, uma representante da empresa deixou escapar a seguinte frase: “a gente nunca colocaria a TKCSA no Leblon...”. Para quem não conhece o Rio de Janeiro, o Leblon é o bairro mais caro de se morar na cidade. Então, o que ela quis dizer com isso? É o que veremos neste ensaio.

A TKCSA, como os outros casos citados acima, é apenas um dos muitos exemplos, no Brasil, de injustiça ambiental, racismo ambiental e desigualdade de gênero. Mas também há resistência e enfrentamento de populações afetadas por grandes empreendimentos, indústrias poluentes,  falta de saneamento e a presença de lixões nas cidades.

Grandes empreendimentos, injustiça ambiental e racismo ambiental

Consolidada como uma questão pública, o meio ambiente é, atualmente, (por razões que são distintas e muitas vezes conflitantes) de interesse de diversos setores, tanto do público como do privado. Neste contexto, é comum ouvirmos que “a degradação ambiental afeta a todos” ou que “somos todos responsáveis pela crise ambiental”. Sempre quando começo as minhas aulas com discussões em torno dessas frases, a concordância é geral; sim somos todos responsáveis e sim, somos todos afetados. Mas o que essas afirmações representam e o que ocultam?

Em 1991, o então economista-chefe do Banco Mundial, Lawrence Summers, perguntou aos seus colegas, em documento de circulação interna do Banco, às vésperas da conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92: Por que não incentivar a migração das indústrias mais poluentes para os países menos desenvolvidos? Summers argumentava que, do ponto de vista da racionalidade econômica, isso faria todo o sentido, uma vez que os mais pobres, em sua maioria, não viveriam o tempo necessário para sofrer os efeitos da poluição ambiental e, como os trabalhadores ganham menos nesses países, as mortes teriam custo mais baixo do que nos países ricos.

 

Assim, para Summers, a racionalidade econômica justificaria a migração das indústrias poluentes para os países menos desenvolvidos, como apontado no estudo ‘O que é justiça ambiental?’, pelos pesquisadores Henri Acserald,  Cecília Mello e Gustavo Bezerra. As condições para isso ocorrer: as localidades oferecem “vantagens competitivas”, como a doação de terras públicas estaduais, isenções fiscais, financiamento público do BNDES e a flexibilização da legislação ambiental e trabalhista. Com duas ações penais pedindo a condenação de executivos da empresa e 238 ações na Defensoria Pública, a TKCSA funcionou durante seis anos sem licenciamento ambiental!

As frases do Sr. Summers revelam e justificam o que passou a ser denominado de injustiça ambiental. Ou seja, é a percepção de que a questão ambiental é atravessada por desigualdades em termos de correlação de forças econômicas e políticas, seja Norte-Sul, entre regiões, de classe, raça e de gênero. Os problemas ambientais são diferenciados e desigualmente distribuídos, dada a diferente capacidade dos grupos sociais escaparem aos efeitos das fontes destes e as suas possibilidades de acesso aos territórios.

 

São nas áreas habitadas por grupos sociais com menor acesso a recursos políticos, financeiros e informacionais, e nos territórios de expansão capitalista, que se concentram a falta de investimento em saneamento, os depósitos de lixo tóxico, moradias de risco, poluição industrial, etc. Vizinhas das indústrias mais ricas e empresas mais lucrativas do mundo, populações empobrecidas e negras são obrigadas a conviver com a poluição industrial do ar, da água e do solo, depósitos de resíduos tóxicos, ausência de abastecimento de água, riscos associados a enchentes e acidentes industriais, além de lixões. São verdadeiras zonas de sacrifício

É por este motivo que a TKCSA está em Santa Cruz e não na Alemanha ou até no Leblon. Como afirmou um pescador que vive próximo à empresa em entrevista:

Só da TKCSA não ter sido instalada na Alemanha, só pela poluição que acontece aqui e não lá, ela já está ganhando dinheiro com isso. Não está poluindo lá, está poluindo aqui. A poluição é em excesso aqui. Foram mais de 20 anos procurando lugar para a empresa. Tiveram seis lugares para colocar a empresa, mas o único lugar onde as portas foram abertas foi aqui. E a gente  tem que pagar pelas emissões erradas? Está errado isso aí. Tem muita coisa errada. Se não vão sair daqui, deveria pegar a população, as mais de 28 mil famílias, e indenizar. Ninguém está pedindo para sair das nossas casas. Eles estão nos expulsando. Não tem preço, nem compensação pelo que a gente perdeu.

É também por este motivo que não “somos todos responsáveis” nem “somos todos afetados” pela crise ambiental. Pelo menos não da mesma forma. Afinal, quando “todos somos responsáveis”, ninguém de fato é. E como afirmou outro morador de Santa Cruz: “queria ver se o presidente do país, o governador e o prefeito do Rio de Janeiro e os diretores da TKCSA, passassem uma semana aqui, eles não iam aguentar, iam fechar a empresa”.

Flávio Rocha, estudante e também morador da região onde está instalada a TKCSA, por exemplo, ao questionar o fato da siderúrgica se instalar num bairro onde a maior parte da população é negra, afirma: “isso é racismo. Não é à toa”. O conceito de racismo ambiental indica a existência de políticas e práticas que afetam, de forma desigual, populações ou comunidades em decorrência da raça, cor ou origem. Surgiu nos Estados Unidos quando o movimento negro começou a perceber que a composição racial de uma comunidade era a variável mais apta a explicar a existência ou inexistência de depósitos de lixo tóxico em uma área, segundo afirma o sociólogo Robert Bullard.

Outro caso conhecido, o desastre de Mariana causado pelo rompimento da barragem de rejeitos do Fundão da mineradora Samarco, composta pela anglo-americana BHP Billiton e a brasileira Vale S.A, ocorrido no dia 5 de novembro de 2015, na cidade de Mariana, em Minas Gerais, deixou 19 mortos e 637 pessoas desalojadas na Bacia do Rio Doce. A população negra nas cidades mais impactadas é o seguinte: 84,3% em Bento Rodrigues; 80% em Paracatu de Baixo; 70,4% em Gesteira; e, 60,3% em Barra Longa. Para quem é a cidade?

A continuação dessa desigualdade ambiental é também possível considerando que em um contexto de desigualdade de poder – Norte/Sul ou entre dominantes e dominados - os atores que ocupam posições dominantes no espaço social também estão em posições dominantes no campo de produção de ideias. Ao incorporarem a crítica ambiental nos seus discursos e práticas, passam a ocupar posição privilegiada para dar conteúdo a própria noção de meio ambiente e o que deve ser considerado sustentável ou não.

 

No campo dominante, os discursos são elaborados sob o viés de uma visão pragmática e utilitarista, que expressa preocupações em assegurar a continuidade da acumulação do capital, economizando os recursos finitos para garantir as fontes de abastecimento para a produção capitalista. O meio ambiente é um só e é composto estritamente de recursos materiais, sem conteúdo sociocultural específico: portanto, somos todos responsáveis e todos impactados por este mesmo meio ambiente, conforme o doutor em planejamento Henri Acserald.

No entanto, o problema não está no fato dos “recursos” serem finitos, mas na apropriação indevida da natureza. Não basta questionarmos como estamos produzindo o aço, por exemplo – a Ternium argumenta que em Santa Cruz tem hoje “o mais moderno e sustentável complexo siderúrgico do Brasil”, com baixa intensidade de emissões de CO2 com reutilização de água, reaproveitamento de resíduos e, ainda, se chama de “usina comunitária”  - , mas, também, para quê tanto aço?

 

É preciso questionar os fins e não apenas os meios de apropriação dos ambientes. Ou seja, se, de fato, os “recursos” são finitos, para que, então, utilizá-los? Para produzir alimentos, viabilizar a segurança e soberania alimentar, garantir que as populações tenham saneamento, água potável e meios apropriados de produção e reprodução, ou para mais grandes empreendimentos, automóveis, armas de guerra?

Além disso, o meio ambiente não é uno, ele é múltiplo; tem distintas significações e lógicas de uso. O meio ambiente para os pescadores e marisqueiras da baía de Sepetiba, é, sem dúvida, bem distinto do meio ambiente da TKCSA.

 

Enquanto os/as primeiros/as percebem os meios ambientes como fonte de sobrevivência, para a TKCSA o meio ambiente é um recurso a ser apropriado, explorado e dominado para a acumulação capitalista. Não é a toa que na maioria das línguas indígenas não existe a palavra “natureza”. Os conceitos utilizados referem-se às localidades ou nomes específicos, explicitando as interações que os indígenas têm com seu meio, seus usos e as memórias construídas; memórias que dão significado e valor às determinadas “localidades”.

E o que as mulheres têm a ver com isso?

Neste contexto de reconhecimento das desigualdades ambientais, existe uma crescente percepção de que os impactos são sentidos e vivenciados de formas distintas por homens e mulheres, e entre elas, pois, são marcados por relações sociais desiguais que preestabelecem responsabilidades específicas em função do gênero, da classe e da raça.

Em decorrência da divisão sexual do trabalho e da divisão historicamente construída entre o público e o privado, as mulheres, nos seus diferentes contextos, mas, em especial, àquelas em situação de empobrecimento, além das cargas das atividades domésticas e do cuidado da família (e muitas vezes da comunidade), realizam outros trabalhos invisibilizados, como a coleta de água, o cuidado dos quintais, a extração de mariscos.

 

Muitas vezes elas são as únicas responsáveis pelo bem-estar da família. Assim, quando a família é impactada pela contaminação de produtos químicos, falta de água e saneamento, poluição e disseminação de doenças, decorrentes de grandes projetos, elas assumem uma maior carga no que diz respeito aos cuidados quando a família.

 

Como em outros casos de poluição, as mulheres de Santa Cruz são as maiores responsáveis por cuidar das crianças e dos idosos que adoecem por respirar a poeira tóxica da empresa e pela sobrecarga do trabalho doméstico, igualmente resultante da poeira. “a gente faz faxina de manhã e já tem que fazer algumas horas depois de novo porque fica tudo preto com a chuva de prato.

 

A gente lava os lençóis, estende lá fora, e aí tem que lavar de novo”, afirmam. Sendo historicamente encarregadas pela alimentação, enfrentam dificuldades para garantir a segurança alimentar das suas famílias neste contexto. “A poeira continua, todo mundo doente, os pescadores sem trabalhar. E aí, como fica?” Questionou a moradora da região próxima à empresa, Maria Regina.

Após a instalação da empresa houve um aumento dos impactos e das vulnerabilidades sociais na comunidade, como o uso abusivo de drogas e a violência decorrente das políticas de repressão, da criminalização da população e das redes de distribuição e consumo de drogas ilícitas e armamentos. Esta situação recai brutalmente sobre a juventude negra e gera sofrimentos familiares e tensões sociais que afetam duramente a vida e a saúde mental das mulheres.

Apesar de haver um maior destaque para o impacto da siderúrgica sobre a vida dos pescadores da região, impedidos de trabalhar por causa da poluição do mar, da dificuldade de navegar após a instalação da empresa e da construção de uma barragem no canal de São Francisco, justificada pela crise hídrica no Rio de Janeiro, a perda deste modo de sustento afeta também a vida das mulheres.

 

Primeiro porque elas precisam enfrentar as dificuldades de garantir uma renda mínima para o sustento, a segurança e soberania alimentar da família. E, segundo porque apesar da invisibilidade do trabalho das mulheres na pesca, as pescadoras e marisqueiras sofrem danos emocionais pela perda da atividade e pela degradação do território da Baía de Sepetiba, com o qual também estabelecem laços afetivos. Este processo ameaça a existência dos espaços que dignificam a existências dessas mulheres, de acordo com Lorena Cabnal, indígena maya-xinka e feminista comunitária.

As mulheres também enfrentam mais obstáculos na reconstrução dos seus modos de vida. Elas ainda lutam para serem reconhecidas como atingidas. No caso da TKCSA, em dezembro de 2016, os pescadores de Santa Cruz deram um importante passo na garantia de justiça por terem sido impedidos de trabalhar por causa de uma barragem construída no Canal de São Francisco em 2015.

 

A ação foi movida contra a Associação de Empresas do Distrito Industrial de Santa Cruz (Aedin), da qual faz parte a siderúrgica TKCSA, pela Defensoria Pública do Estado e resultou na determinação, por parte do juiz da 15ª Vara da Fazenda Pública, do pagamento de pensão aos pescadores no valor de um salário-mínimo mensal e a realização de perícia na obra da soleira submersa construída no Canal, para mensurar os danos produzidos a partir da instalação da barragem. Dos 65 pescadores beneficiados, apenas 3 eram mulheres.

Ou seja, em decorrência da divisão sexual e racial do trabalho no capitalismo e o não reconhecimento das mulheres como seres políticos ou sujeitos de direitos, inclusive de acesso, uso e apropriação do mundo material, o efetivo papel das mulheres na determinação dos problemas e na forma de enfrentá-los não é considerado ou visibilizado.

 

No entanto, a participação das mulheres nos processos de resistência, seja liderando, organizando ou participando das tomadas de decisão, apesar dos riscos e das ameaças, permite que elas assumam atividades de organização e tomada de decisão e questionem as relações de gênero dentro das suas próprias culturas de forma mais coletiva e pública. É uma forma de redefinir sua posição social, suas identidades, como também de desafiar as estruturas de dominação na sociedade como um todo.

 

“Não vamos perder a esperança. Vamos até a última gota d´água. Enquanto houver água pingando, vamos nos ajudar. A nossa vitória virá”, disse uma das lutadoras contra a TKCSA.

Algumas palavras finais: a luta por justiça ambiental e o fascismo…?

Como vimos ao longo deste texto, formas simultâneas de opressão são responsáveis por injustiças ambientais, decorrentes da natureza inseparável das opressões de classe, raça e gênero.

 

No contexto do desenvolvimento capitalista, as históricas condições de injustiças, permeadas pelo racismo, sexismo e pelas desigualdades geracionais, embora não sejam desconhecidas da sociedade brasileira, nem tampouco das autoridades públicas e empresas privadas, são ocultadas, negadas e/ou apropriadas para manutenção destas estruturas. Esse ocultamento, silenciamento e despolitização do debate sobre as injustiças ambiental é o que garante a manutenção e reprodução das desigualdades.

Neste sentido, a questão ambiental não diz respeito, como pretende afirmar o discurso dominante, despolitizado, às tecnologias mais ou menos ecológica, mais ou menos sustentáveis, mas, sim, à disputa entre diferentes formas de apropriação e uso do mundo material, dos territórios, das cidades. Até porque, quem define o que é ecológico, o que é sustentável?

 

Temos os meios ambientes como fonte de sobrevivência e reprodução dos povos, e por outro, como fonte de acumulação de grandes corporações. E enquanto for possível concentrar os males do sistema capitalista nas populações forçadas a viverem em situação de empobrecimento, o meio ambiente não será levado a sério.

Essa situação é ainda mais preocupante considerando a nossa atual conjuntura, de retrocessos, de violações, e da legitimação do racismo, da homofobia, da misoginia, da violência, da produção do medo, do autoritarismo, da visão corporativa e privatizante dos espaços sociais. Da verdade pessoal e autoproclamada de um indivíduo e o aparato que construiu e o elegeu como presidente do país; do fascismo!

 

Para se somar à criminalização de organizações e movimentos sociais e da violência direta nas cidades e nos campos, há tempos estamos vendo tentativas de constrangimento da liberdade acadêmica através do assédio processual e da desmontagem dos espaços de debate democrático e crítico. E isso parece estar culminando em um verdadeiro ódio pela produção e disseminação de saberes, do pensamento crítico. É neste contexto que os processos de resistência e enfrentamentos precisam continuar.

As iniciativas lideradas pelos jovens de Santa Cruz de vigilância popular em saúde é um exemplo deste enfrentamento. Desde 2017, os jovens, em articulação com jovens impactados pela siderurgia no bairro de Piquiá de Baixo do município de Açailândia, Maranhão, com apoio da Fiocruz, e das organizações Instituto PACS e Justiça nos Trilhos, estão coletando e produzindo informação sobre a qualidade do ar e o dano à saúde decorrente da presença de particulado tóxico no ambiente.

 

A realização de caravanas que buscam valorizar os coletivos de mulheres que constroem diariamente a agricultura e a agroecologia em seus quintais e espaços de roçado; mutirões para construir coletivamente quintais produtivos; e encontros sobre agricultura urbana e agroecologia, como vem fazendo a Roda de Mulheres da Rede Carioca de Agricultura Urbana, é outro exemplo.

 

Esses grupos não só estão disputando a produção de conhecimento, enfrentando o conhecimento dominante que produz soluções aos problemas colocados pelas próprias corporações à população atingida, mas se formando, se fortalecendo e assumindo a liderança da resistência. Estão disputando a cidade.

Então nos cabe compreender o contexto em que foi possível uma radicalização do conservadorismo, reinventar a nossa imaginação e prática política, recuperar e fortalecer nossos coletivos, nos reapropriar do espaço público, retomar as cidades e os campos e denunciar todos os esforços que existem de desqualificar as mulheres, os negros, povos indígenas, povos tradicionais, LGBTs e de naturalizar e justificar a produção e a reprodução das desigualdades. “Ninguém solta a mão de ninguém!”.

NOTAS

[1]  Esta informação foi retirada de uma publicação, neste caso um vídeo, realizado pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) no ano de 2018.

PARA SABER MAIS

ACSELRAD, Henri. Justiça Ambiental – ação coletiva e estratégias argumentativas. In Acselrad, A. et al. Justiça Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford: 2004.

 

_________.; MELLO, Cecília; BEZERRA, Gustavo das Neves. O Que é Justiça Ambiental? Rio de Janeiro: Garamond, 2007.  

 

BULLARD, R. Enfrentando o Racismo Ambiental no século XXI. In Justiça Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford: 2004.

 

CABNAL, Lorena. Feminismo diversos: El Feminismo Comunitario. ACSUR: Las segovias, 2010. Disponível em: <http://www.calameo.com/books/002488953253b6850c481>

 

FASE. Água, Direito à Cidade e Justiça Ambiental. Belém, 2018. Disponível em:  <http://www.fundodema.org.br/videos/agua-direito-a-cidade-e-justicaambiental/EH4mzA0zI9Y.>

 

FIOCRUZ; FASE. Mapa de Conflitos envolvendo Injustiças Ambientais e Saúde no Brasil. 2010.  Disponível em: <https://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php?cod=507>.

 

INSTITUTO PACS. Meu Jardim não é uma usina. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=VtlZB3K6iHM. >

 

________. PROGRAMA CANAL SAÚDE NA ESTRADA. Vigilância Popular em Saúde - Açailandia e Santa Cruz. Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=91aCLo3InRk. >.

 

________; JUSTIÇA NOS TRILHOS. Violações de Direitos Humanos na siderurgia: caso da TKCSA. Rio de Janeiro, 2017.

 

________; REDE JUSTIÇA NOS TRILHOS (JNT); FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ (FIOCRUZ). Relatório Final. Vigilância Popular em Saúde e Ambiente em áreas próximas de Complexos Siderúrgicos. Rio de Janeiro, 2017. Disponível em: http://www.pacs.org.br/files/2017/09/Relatorio-Final.pdf

 

FURTADO, Fabrina. Mulheres e Conflitos Ambientais: da invisibilidade à resistência. PACS, 2017. Disponível em: <http://www.pacs.org.br/2017/09/06/mulheres-e-conflitos-ambientais-da-invisibilidade-a-resistencia/>

A AUTORA

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Fabrina Furtado é professora do Departamento de Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (DDAS) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), pesquisadora do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (ETTERN) do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e colaboradora de organizações e movimentos sociais sobre temas relacionado à conflitos ambientais, financeirização da natureza; instituições financeiras multilaterais; e, indústria extrativa, grandes projetos e mulheres.

COMO CITAR ESSE TEXTO

FURTADO, Fabrina. De zonas de sacrifício à luta por justiça ambiental: a cidade é feita pra quem? Coletiva, Recife, n. 24, Coletiva. fev.mar.abr.mai. 2019. Disponível em  https://www.coletiva.org/dossie-direito-a-cidade-n24-de-zonas-de-sacrificio-a-lutas-por-justica-ambiental. ISSN 2179-1287.

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