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DOSSIÊ VIOLÊNCIA ESCOLAR 

Editorial

A questão da violência perpassa todas as esferas que dizem respeito à condição humana. Sendo assim, pensar a violência é refletir sobre a complexidade que singulariza o homem e suas relações com o mundo e com o outro. Também na escola, a violência está presente e assume diferentes modos de expressão.

 

Nesse sentido, este número da Revista Coletiva apresenta um balanço das discussões sobre violência escolar no Brasil a partir de diferentes abordagens de estudos que têm sido feitos sobre a questão. São apresentadas reflexões que envolvem as diferentes formas de violência, não somente a questão do bullying, muito divulgada pela mídia, mas também as relações professores-alunos, escola-alunos, escola-famílias, professores-professores e diferentes relações interpessoais.

 

Observa-se no país, principalmente a partir da década de 90, o aumento do interesse acadêmico, assim como dos meios de comunicação, pelo tema da violência escolar. É dado maior destaque para as situações de violência que ocorrem tanto no interior da escola como em seu entorno, aumentando relatos de vandalismos, agressões interpessoais e conflitos entre os diferentes grupos na escola, incluindo-se aí a comunidade à qual a escola pertence.

Alguns aspectos têm sido mostrados em estudos sobre violência escolar, apontando o complexo contexto social em que a escola está inserida. A instabilidade social; a insegurança; o tráfico de drogas; a falta de perspectiva dos alunos de um futuro próspero; a falta de investimento nas escolas públicas; a ausência de projetos pedagógicos capazes de absorver a nova realidade escolar; o tamanho dos colégios; o número de alunos e as experiências vivenciadas por eles fora da escola são os principais fatores apontados no desencadeamento da violência no interior das instituições.

 

A complexidade da questão nos remete a reflexões que envolvem aspectos como a violência social, a violência institucional e a violência interpessoal, aos quais a escola não pode se furtar. Cada um desses aspectos precisa ser minuciosamente analisado para que as melhores práticas sejam propostas para o enfrentamento da violência escolar. Para além da violência, termo que também necessita de uma precisão maior, devido às diferentes interpretações relacionadas a ele, destaca-se, nesse contexto, a presença dos conflitos que se configuram mais como incivilidades do que como violência, mas que, aos poucos, vai tomando dimensões maiores, chegando à violência.

 

Na linha de provocar a discussão de temáticas sociais de interesse geral, as diferentes seções deste número da Coletiva procuram abordar diversos aspectos da problemática da violência escolar, sem pretender o aprofundamento teórico dos artigos científicos, mas pontuando as questões mais atuais e centrais do tema. Apresentando estudos teóricos e propostas que estão sendo colocadas em prática, buscamos contribuir com reflexões e proposições para o enfrentamento do problema.

 

A seção Artigos é aberta com o texto da professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Leila Maria Ferreira Salles. Ela trata da configuração das práticas de violência escolar entre os jovens nos seus diferentes espaços de convivência. Discutindo inicialmente o que se entende por violência, a autora baseia-se nas falas de jovens que frequentam as últimas séries dos ensinos fundamental e médio, a fim de mostrar como a violência está presente no cotidiano escolar, especialmente quando a interação com as diferenças não é problematizada de fato pela instituição de ensino.

 

Tomando como enfoque a perspectiva dos professores, o docente do Departamento de Fundamentação da Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Fernando Bezerra de Andrade, aborda como o desejo de educar se expressa pela gestão de conflitos na escola. Para ele, mais que um risco a ser evitado, as situações de violência devem ser encaradas como oportunidades a serem aproveitadas e critério de reflexão, planejamento e análise.

 

Diferentemente de Fernando, Marilda da Silva busca refletir, em seu artigo, sobre a participação dos professores como co-produtores da violência no espaço escolar. Baseando-se em dois projetos de pesquisa, a professora, também da Unesp, analisa a violência cometida pelo professor contra o aluno, inclusive quando este não provoca, além de indicar os sentimentos causados pelo ato de violência, como medo, humilhação e vergonha.

 

Já a pedagoga, professora e coordenadora de escola do município de Rio Claro, no interior de São Paulo, Rosemeire Archangelo, avalia por que a punição como forma de corrigir uma falta do aluno contribui com a violência escolar. Sua análise leva a uma reflexão sobre a responsabilidade da escola na produção e reprodução disso. Presente nas escolas desde os jesuítas, a punição foi mudando ao longo do tempo, passando do castigo físico para o moral. Em ambas as formas, há um desejo de garantir o controle, promovendo obediência e respeito.

 

Abordando como tema a trajetória de alunos acometidos pela violência, a psicóloga e professora da Unesp de Rio Claro, Débora Cristina Fonseca, avalia como a escola identifica os alunos protagonistas de violência. Tendo como base dados de um levantamento interinstitucional, ela examina como são tratadas as atitudes provocadas por esses jovens. A assistente social Leila Joyce Mendes Silvério e a psicóloga Lastênia Soares de Lima tratam, no artigo escrito a quatro mãos, da prevenção à violência infanto-juvenil. Atuando na ONG Terre des hommes Brasil, organização que cuida de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, as duas tomam como exemplo um projeto desenvolvido pela instituição para falar de modelos de ação possíveis para prevenção à violência nas escolas e implementação de práticas restaurativas.

 

A mediação de conflitos é o foco de análise da defensora pública Francis de Oliveira Rabelo Coutinho. Titular da 1ª Defensoria Especializada de Direitos Humanos, Coletivos e Socioambientais de Minas Gerais e coordenadora do Programa Mediação de Conflitos no Ambiente Escolar, Francis reforça a importância de a escola promover formas de diálogo e melhoria de suas relações interpessoais, para saber lidar com os conflitos diários comuns. Para tanto, propõe a mediação como forma de fortalecer a autonomia da escola com apoio do defensor público.

 

A educadora Cláudia Scotuzzi, supervisora de ensino da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo e gestora regional do Sistema de Proteção Escolar, discute de que maneira a ação da Justiça no universo da escola vem judicializando as relações escolares. Algo que vem ocorrendo nas intervenções judiciais não apenas para garantia dos direitos à Educação, mas, sobretudo, para resolução de problemas pedagógicos, como o que vem sendo observado nos conteúdos de orientação para educadores dentro de programas de prevenção e/ou minimização da violência em ambiente escolar. 

Em Memória, relembramos a história de Ruby Bridges e a realidade de violência escolar e racismo em que viveu no sul dos Estados Unidos, na década de 60.

 

Para este número, convidamos a psicóloga e professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Marilena Ristum, para ser nossa entrevistada. Trabalhando com temas como violência e escola, bullying escolar e violência e família, Marilena conversou com Joyce Mary Adam e Marcelo Robalinho sobre a violência escolar face à violência social e de jovens. Para a especialista, a escola tem tratado a questão da violência de forma repressora e policialesca, pouco pensando num projeto pedagógico que previna que o problema aconteça. Além de apontar formas de enfrentamento colocadas em prática, Marilena reflete sobre o papel da imprensa no cenário atual.

 

Na Reportagem, Marcelo Robalinho fala do panorama da violência escolar no Brasil, apontando algumas das causas e consequências. Para tanto, ele toma como mote algumas iniciativas que vêm dando certo no país para combater o problema. No Vídeo, selecionamos um dos programas do Globo Educação que traz o relato de um trabalho realizado pela prefeitura de Belo Horizonte para reverter os índices de violência usando, para isso, a afetividade e a integração com moradores da região.

Joyce Mary Adam

EXPEDIENTE

Edição temática: Joyce Mary Adam | Editores: Pedro Silveira, Marcelo Robalinho, Alexandre Zarias e Allan Monteiro | Apoio editorial: Maria Luiza Alves, Paloma de Castro | Capa: Paloma de Castro | Revisão: Hugo Gonçalves | Entrevista: Marilena Ristum  | Reportagem: Marcelo Robalinho | Artigos:  Leila Maria Ferreira Salles, Fernando Cézar Bezerra de Andrade, Marilda da Silva, Rosemeire Marques Ribeiro Archangelo, Débora Cristina Fonseca, Joyce Silvério e Lastênia Soares, Francis de Oliveira Rabelo Coutinho e Cláudia Scotuzzi | Memória: Pedro Silveira e Paloma de Castro

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