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11 de dezembro de 2018

Redes migratórias transnacionais e comunicação cidadã
 

Denise Cogo

A noção de redes se tornou crucial para todos que desejam estudar ou compreender as migrações históricas ou contemporâneas como processo social. Oswaldo Truzzi, cientista social e professor da Universidade de São Carlos, nos alerta de que o enfoque de redes sucedeu e, em certo sentido, ampliou a aplicação do conceito de “cadeias migratórias”[1], muito utilizado nos estudos sobre migrações. Tanto o conceito de cadeias migratórias quanto o de redes têm possibilitado aos pesquisadores de migrações rastrear os modos como  pessoas e os fluxos de informação circulam em espaços migratórios transnacionais.

Nos anos 70, estudiosos analisaram os processos de redes de migração e o papel que parentes e amigos desempenhavam no fornecimento de informações e auxílio no processo migratório. Mais recentemente, as mudanças nos padrões migratórios e nos modos de compreender a migração renovaram o interesse na importância da família, amigos e origem comum que sustentam essas redes. As migrações atuais seriam resultado, também, de uma etapa de desenvolvimento das redes sociais, mais do que unicamente da decorrência de crises econômicas.

Na história das migrações, a presença das redes de migrantes tem sido observada, dentre outros, no planejamento da migração, na escolha dos destinos migratórios, na inserção dos migrantes nos países de destino e na manutenção e recriação de seus vínculos com os países de origem, ou, ainda, nos seus processos de mobilização por direitos e cidadania.

No entanto, cabe lembrar que, embora guardem relação, redes migratórias e redes sociais são conceitos distintos. As redes sociais podem ser definidas como formas de interação e vínculo social, espaços de convivência, conectividade e intercâmbio dinâmicos entre diferentes atores sociais, incluindo os imigrantes.

As redes constituem instâncias ou organizações sociais heterogêneas que, na maioria das vezes, têm um caráter informal, possibilitando a potencialização de recursos para a resolução de problemas, embora sua existência não esteja necessariamente atrelada a essa necessidade de resolver problemas.

As redes sociais preexistem e, muitas vezes, alimentam as redes migratórias. Nos estudos migratórios, a teoria das redes tem sido um recurso conceitual e metodológico para analisar a ação social dos indivíduos que desejam migrar ou que já migraram. Ou seja, a noção de redes tem colaborado para atenuar uma certa visão economicista e macroestrutural dominante nos estudos migratórios, e que defende que fatores como a  pobreza e a busca de trabalho seriam determinantes na produção de fluxos migratórios.

 

Nessa perspectiva, a teoria das redes tem colaborado, também, para reconhecer a existência de espaços de ação e autonomia, mesmo que relativa, dos imigrantes sobre as normas e condicionamentos estruturais que determinam suas trajetórias migratórias, inclusive no âmbito econômico. Ou seja, embora com limites, os imigrantes constroem suas histórias migratórias negociando com situações e circunstâncias de ordem econômica, social, política e cultural que se combinam e podem assumir pesos diferenciados.

A intensificação a partir de 2010 dos fluxos migratórios de haitianos e haitianas para o Brasil oferece alguns exemplos sobre o papel desempenhado pelas redes migratórias na construção e intercâmbio de imaginários nacionais e raciais sobre o Brasil como país de imigração. A pesquisa realizada por Joseph Handerson, antropólogo social, remete às narrativas que, relacionadas a discursos e propaganda do governo brasileiro no Haiti, circularam nesses redes.

 

Essas narrativas falavam sobre a abertura e hospitalidade do país em relação aos haitianos, os incentivos que seriam dados à imigração haitiana no Brasil, as ofertas de emprego em obras de infraestrutura da Copa do Mundo de 2014, os altos níveis salariais do país, e ainda, sobre a concessão de moradia e alimentação gratuitas que estariam sendo oferecidas aos trabalhadores imigrantes. Handerson destaca, ainda, que essas narrativas faziam circular, ideias sobre o Brasil como um “paraíso racial”, repercutindo com maior força no imaginário daqueles imigrantes haitianos que já haviam enfrentado experiências de discriminação na República Dominicana e no Equador. Imaginários que, em certo sentido, se alimentam dos vínculos históricos mantidos entre Brasil e Haiti, e relacionados, principalmente, a elementos culturais como a origem africana comum, a música e o futebol.

Em pesquisa sobre os usos de mídias no ativismo da imigração haitiana no Brasil, também observo como esses imaginários vão se transformando a partir das vivências dos haitianos em suas redes migratórias. A partir dos usos de Plataformas ou aplicativos de redes sociais como Facebook e WhatsAapp, os haitianos compartilham ofertas de emprego e confrontam as condições de trabalho e os níveis salariais encontradas no Brasil em relação a outros países que têm sido, historicamente, destinos da diáspora haitiana, como Canadá, Estados Unidos e França.  

 

Além disso, ao vivenciarem situações de racismo no Brasil, os imigrantes constroem e compartilham, novos significados sobre o funcionamento das relações raciais que acreditavam não existir em um país de maioria negra, questionando, assim, o chamado mito da democracia racial[2]. “Se você é negro, tem um lugar que não é feito pra você”, sintetiza, o cineasta e ator haitiano, Patrick Dieudonne no vídeo de divulgação do espetáculo teatral Cidade Vodu, apresentado em São Paulo em 2016 e protagonizado por imigrantes haitianos e brasileiros.

A noção de redes tem sido útil, também, para entender as mobilizações coletivas por cidadania que os imigrantes desenvolvem a partir da atuação em movimentos sociais migratórios (coletivos, associações, etc.), que podem se organizar em redes. A esse respeito, Maria da Glória Gohn e Breno Bringel, cientistas políticos, lembram que a rede tem sido utilizada tanto para nomear a própria categoria movimento social quanto para fazer referência ao suporte ou a ferramenta dos movimentos. Além disso, as redes têm sido vistas como uma construção que se inscreve no campo das práticas civis, as quais a ideia de “público participante” vem substituindo a de “militante” ou criando a de “ativista”.

 

Os autores destacam três dinâmicas que vêm colaborando para a estruturação em rede dos movimentos sociais: o uso das novas tecnologias e a expansão dos meios de comunicação; os conflitos étnicos provocados pelos processos e deslocamentos migratórios em diferentes contextos nacionais; e as novas políticas sociais de caráter compensatório dos governos centrais e locais relacionada às demandas por multi e interculturais.

Vários pesquisadores têm se dedicado a analisar as ações transnacionais dos migrantes que envolvem redes migratórias, dentre estes, o professor da Universidade da Califórnia, Luis Eduardo Guarnizo utiliza a expressão “viver transnacional” para defender que essas ações não exercem apenas um impacto econômico oriundo das remessas enviadas pelos migrantes aos seus países de origem.

 

O “viver transnacional”  compõe-se, também, de um intenso fluxo de ideias, comportamentos, identidades e capital social que constituem as interações em redes migratórias, vinculando os países de origem e destino dos migrantes. Cabe destacar, contudo, que as práticas transnacionais não são sempre universais e regulares, ou contam com a participação de todos os imigrantes, embora não possam, também, ser avaliadas apenas pela dimensão numérica dessa participação de migrantes. Ou seja, é necessário levar em consideração a soma das ações transnacionais regulares dos ativistas e daquelas pontuais realizadas por outros migrantes.  

O conceito de redes migratórias está profundamente vinculado, ainda, ao advento e expansão das tecnologias na área dos transportes e das comunicações. Se comparado com o passado, conforme destaca o sociólogo Alejandro Portes, os migrantes dispõem hoje de muito mais recursos tecnológicos para manterem laços econômicos, políticos ou culturais com os respectivos países de origem.

Rogerio Haesbaert, geógrafo humano, é outro pesquisador que evidencia a maior velocidade dos meios de transporte e o acesso às tecnologias da comunicação como um dos fatores primordiais que impulsionaram experiências, que ele denomina de multiterritorialidade, vivenciadas pelos imigrantes e, que, ao longo do século XX, vem transformando a dinâmica socioespacial e geográfica contemporânea. Este geógrafo humano propõe um deslocamento da noção de desterritorialização para a de multiterritorialidade, que vai ser definida  como a  experimentação concomitante, pelos sujeitos, de múltiplos territórios.

Em sua reflexão, Rogerio Haesbaert busca romper com a dicotomia entre fixidez e mobilidade  na compreensão da ideia de “múltiplos territórios” do capitalismo a partir da distinção do que chama territórios-zona, mais tradicionais, e territórios-rede, mais envolvidos pela fluidez e a mobilidade. Alertando, contudo, que as exclusões e desigualdades geradas pelo capitalismo não possibilitam que a maior parte das pessoas vivenciem experiências de trânsito e compartilhamento de múltiplos territórios, uma vez que estão com sua preocupação voltadas à sobrevivência cotidiana.

Essa articulação de distintos territórios está presente em práticas de ativismo transnacional em redes migratórias, como aquelas desenvolvidas pelo coletivo espanhol Marea Granate (MG). A partir dos usos das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), o coletivo MG vem articulando mobilizações de imigrantes espanhóis que vivem em vários países, especialmente aqueles que deixaram a Espanha a partir da crise de 2008.

 

Em suas ações, o coletivo atua na desconstrução dos discursos do governo espanhol que busca apagar as vinculações entre a emigração atual de jovens espanhóis e a crise econômica e as políticas de austeridade adotadas pelo governo a partir de 2008. O coletivo promove, ainda, ações transnacionais relacionadas ao direito e acesso ao voto de espanhóis que vivem no exterior e, mais recentemente, focou sua mobilização em denúncias e críticas sobre as políticas de retorno de imigrantes implementadas pelo governo espanhol.

Para entender os vínculos entre redes migratórias transnacionais, tecnologias da comunicação e cidadania dos imigrantes, é importante recuperarmos algumas dimensões do conceito de redes sociais no âmbito das pesquisas em comunicação. Manuel Castells, sociólogo espanhol, é um dos pesquisadores que contribuiu para a formulação desse conceito ao pensar a sociedade em rede como um tipo de ambiência ou experiência social estruturante da vida contemporânea.

 

O processo de constituição dessa experiências social repercute em diferentes âmbitos da nossa vida social, provocando reordenamentos na economia, no conhecimento, no poder, na comunicação e na própria tecnologia. Este sociólogo enxerga, ainda, a sociedade em rede como um espaço de disputas e negociações entre uma economia de mercado e uma economia da interação comunicacional solidária. A capacidade ou incapacidade de criar protocolos de comunicação entre esses dois marcos culturais contraditórios que convivem na sociedade em rede vai definir, segundo o autor, a possibilidade de comunicação dos atores sociais.

Noções como “cultura da autonomia”, “capacidade de autocomunicação de massas” e “usos sociais” têm sido formuladas por diferentes autores para propor um deslocamento do olhar da técnica em si para os modos de consumo e utilização das tecnologias na sociedade em rede, inclusive a partir de formas alternativas e de resistência.

 

As vinculações cada vez mais estreitas entre as esferas da produção e do consumo das tecnologias têm instigado, ainda, a busca de nomeações – como a de “prosumidores”[3] – para definir os novos posicionamentos ocupados pelos sujeitos nas dinâmicas comunicacionais, sempre com a ressalva de que os usos das tecnologias digitais, incluindo a internet, nunca são absolutamente livres ou autônomos. É o desenvolvimento da internet que, em grande medida, vai ampliar, a partir dos anos 90, o interesse de pesquisadores de diferentes países pelo estudo das relações entre meios de comunicação e migrações transnacionais, campo de pesquisa que começa a se desenvolver na década de 80.

Um dos enfoques desses estudos tem sido o dos usos das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) pelos migrantes transnacionais no contexto de suas redes e em diferentes aspectos de suas experiências de mobilidade. As pesquisas desenvolvidas têm evidenciado que as TICs estão presentes no planejamento e implementação de projetos de migração; nos processos de instalação, ocupação, sociabilidade e participação nos novos contextos de imigração (países e cidades); nas dinâmicas de interação com familiares e amigos nos países de origem (como, por exemplo, no envio de remessas e vivência das chamadas “famílias transnacionais”); no acesso a políticas e serviços públicos e desenvolvimento de políticas  culturais e de entretenimento nos países de destino[4].

Essas pesquisas têm analisado, também, conforme já mencionamos, as  práticas coletivas de mobilização e ativismo transnacional que se desenrolam no âmbito das redes migratórias e que podem, inclusive,  ajudar a criar e fomentar essas redes. Nessas práticas, os imigrantes articulam países de origem e destino, atuando, dentre outros, para desconstruir  representações midiáticas que associam migração a conflito ou problema, para denunciar discriminações, xenofobia  e racismo sofridas pelo imigrantes, ou, ainda, como  reivindicar regularização jurídica e outros direitos sociais, econômicos, políticos e culturais.

Podemos destacar, nessas pesquisas, o conceito de web diáspora utilizada por diferentes pesquisadores[5] para fazer referência a ambientes comunicacionais marcados pela lógica do deslocamento e pela vivência em rede das próprias diásporas na internet. As web diaspóricas se definem fundamentalmente pela sua condição de ser um espaço digital de migrantes, criados ou gerenciados por migrantes ou em parceria com eles.

 

As web diaspóricas se compõem de páginas web, sites temáticos sobre migrações, blogs, sites pessoais, sites de ONGs, associações e grupos culturais, mídias étnicas e sites colaborativos múltiplos produzidos e mantidos por diferentes indivíduos e coletivos migrantes no contexto de redes de interação tanto institucionalizadas quanto informais.  A existência das web diásporicas é demarcada pela instabilidade que decorre, por um lado, da própria condição de trânsito e mobilidade dos migrantes e, por outro, dos processos de popularização e maior facilidade de acesso e uso da própria internet. Mas essa instabilidade permite, também, que as web diaspóricas sejam redesenhadas por cada novo participante, autodefinida não pela inclusão ou exclusão de novos membros, mas pelo processo voluntário de indivíduos que passam ou deixam de atuar junto aos coletivos migrantes.

No contexto brasileiro, podemos observar a presença relevante dos migrantes, de coletivos e associações migratórias no Facebook, Twitter e Youtube, dentre outros. No Facebook, os migrantes estão organizados por nacionalidades ou por categorias mais amplas de migrações, em grupos fechados ou abertos e através de perfis[6].  A migração também tem sido tematizada no Facebook por grupos criados e geridos por setores como as organizações de apoio às migrações e acadêmicos[7] que trabalham com o tema.  

Cabe assinalar aqui a distinção proposta por Raquel Recuero, doutora em Comunicação e Informação, quando define a rede social como o grupo de atores que utiliza determinadas ferramentas para publicar suas conexões e interagir. O Facebook não constitui, contudo, a rede social, mas sim o espaço técnico que proporciona a emergência dessas redes, possibilitando a compreensão de que as redes sociais  não são pré-construídas pelas ferramentas, mas sim apropriadas pelos atores sociais que conferem sentido e adaptam essas ferramentas para suas práticas sociais. As ferramentas pertencem, assim, a categorias de “sites de rede social”, como é o caso do Facebook, ou seja, ferramentas que possibilitam a publicação e a construção de redes sociais.

No caso dos imigrantes haitianos, suas  intervenções nas redes sociais e em outros espaços digitais revelam os seus esforços em desconstruir representações dominantes na  mídia brasileira sobre a imigração haitiana. No período de chegada de haitianos ao Brasil, as representações midiáticas sobre essa imigração estiveram marcadas  por olhares complacentes de reafirmação da pobreza, precariedade e vulnerabilidade do Haiti e dos haitianos.

 

Posteriormente, observamos a adoção, por parte da mídia,  da retórica sobre a “invasão” de haitianos e o fortalecimento de visões sobre essa nova imigração associadas a “medo”, “problema” e “conflito”. A partir de 2014, casos de violência racial contra haitianos em várias cidades brasileiras compartilhadas nas redes sociais, e em outros espaços das mídias, contribuíram para expor as vinculações entre intolerância e ódio contra esses imigrantes e a polarização político-partidária que marcou a eleição presidencial no país. Mais recentemente, a mesma dinâmica pode ser observada em relação à imigração venezuelana no contexto das eleições brasileiras de 2018.

Os haitianos têm usado as redes sociais, também, para evidenciar a seletividade e  hierarquias raciais que atravessam historicamente a inserção de determinados grupos migratórios no Brasil. Em 2015, os imigrantes haitianos se articularam, em diferentes espaços das mídias digitais, para denunciar e questionar a ética jornalística envolvida na produção e publicação “não consentida” da fotografia de um imigrante haitiano recém-chegado à cidade de São Paulo em um ônibus proveniente da região norte do país.

 

Sob a legenda  “Haitiano toma banho em mictório”, a imagem fotográfica, publicada nos jornais Agora e Folha de São Paulo, e replicada em diferentes espaços da internet, foi capturada, em 19 de maio de 2015, em um banheiro da Missão Paz, organização confessional vinculada à Igreja Católica, onde se situa a Casa do Imigrante[8].

 

A captura dessa imagem, supostamente sem o consentimento do imigrante fotografado, e, posteriormente, sua escolha como vencedora da categoria fotografia do Prêmio Vladimir Herzog[9], gerou, no âmbito das mídias, um debate público sobre os impactos da visibilidade midiática nos direitos humanos e cidadania dos imigrantes haitianos no país, e a relação dessa visibilidade com as hieraquias raciais.

O tema escolhido para 11ª Marcha dos Imigrantes, “Pelo Fim da Invisibilidade dos Imigrantes” realizada em São Paulo, em 2017, sugere que as mídias continuam a se constituir em espaços políticos estratégicos de construção e disputa de cidadania pelos migrantes. Além disso, o tema escolhido evidencia, também, a inclusão, na Marcha, de espaços específicos para demandas identitárias reivindicadas por coletivos, como o das mulheres imigrantes, conforme podemos evidenciar no material de divulgação do evento que circulou pelas redes sociais:  “[...] as mais invisíveis dentro da migração são as mulheres. Convidamos todos os movimentos de mulheres da cidade de São Paulo para se juntar a nós nesta caminhada pelos direitos de todos os imigrantes e refugiados. Nenhum direito a menos para as imigrantes!

As questões de gênero passam a assumir maior centralidade nas lutas recentes que compõem o ativismo das migrações internacionais no Brasil no contexto das redes migratórias. Essa dimensão de cidadania ganha expressão pública através  da atuação de coletivos, como o das mulheres do movimento Equipe de Base Warmis[10] - Convergência das Culturas.

 

Formado por imigrantes oriundas de distintos países da América Latina[11], como Bolívia, Chile, Peru, Argentina e Costa Rica, o coletivo que atua em São Paulo se reúne, semanalmente, para debates e atividades de formação das integrantes, que, também, participam como palestrantes, expositoras ou debatedoras dos eventos promovidos pelo coletivo. As intervenções das quais tomam parte focam na questão migratória, mas abrangem, ainda, temáticas de interesse mais amplo da população local, como saúde, educação e políticas públicas[12].  

De uma perspectiva política, as integrantes do coletivo buscam sensibilizar e mobilizar para temáticas de gênero articuladas a questões identitárias, focando na comunidade andina na cidade de São Paulo. A imigração feminina, principalmente aquela oriunda de áreas andinas rurais, é a que, conforme o coletivo Warmis,  tem enfrentado maior violência obstétrica, piores condições de trabalho e menos acesso a direitos. 

 

Segundo uma das integrantes do coletivo, a imigrante boliviana Jobana Moya,  a  Warmis estimula que as mulheres não tenham vergonha de suas origens, traços e experiências culturais, que possam preservar e transmitir sua bagagem cultural aos filhos ou, ainda, que se sintam aptas a se posicionarem em conflitos interculturais como, por exemplo, naqueles casos em que algumas escolas de São Paulo orientam as mães a não falar espanhol com as crianças.

O uso das tecnologias da comunicação tem sido estratégico para a organização, divulgação, visibilidade e compartilhamento das atividades promovidas pela Equipe de Base Warmis. As integrantes do coletivo dividem a produção e divulgação de suas atividades publicadas  na página própria no Facebook, em perfis no Instagram e no Twitter, e canal no Youtube.

 

Além disso, a página do coletivo no Facebook  é utilizada para divulgar notícias de outras fontes que consideram relevante, compartilhar informações e campanhas propagadas por outras instituições, como uma publicação sobre violência obstétrica produzida pelo Ministério da Saúde. Ou, ainda, para lembrar datas consideradas importantes pelo coletivo, como o Dia Internacional da Mulher Indígena, celebrado em 05 de setembro.

O coletivo mantém um site em que apresenta os projetos que desenvolve e disponibiliza materiais traduzidos sobre direitos das imigrantes, como o texto produzido pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo e pela ONG Artemis sobre violência obstétrica. As integrantes da Warmis administram, ainda, um blog, de caráter mais pessoal, que pode ser acessado através do site, em que compartilham informações sobre suas participações nas atividades e publicam textos sobre as vivências cotidianas e dificuldades encontradas pelas mulheres migrantes no país de acolhida.

Essas e outras experiências com mídias digitais desenvolvidas por coletivos e redes migratórias de diferentes nacionalidades no Estado de São Paulo, desde os anos 90,  estão sendo reunidas, desde 2016, em um acervo denominado Plataforma de Mídias de Imigrantes de São Paulo. A Plataforma, que conta com 192 mídias de imigrantes cadastradas, foi criada, e é atualizada regularmente, a partir de parceria entre o Grupo de Pesquisa Deslocar,  do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) e o Museu da Imigração do Estado de São Paulo, com o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

NOTAS

[1] Oswaldo Truzzi, em seu artigo Redes migratórias, datado de 2008, lembra que o termo “cadeias”, concebido na década de 1960 por pesquisadores australianos, foi originalmente definido “como o movimento pelo qual migrantes futuros tomam conhecimento das oportunidades de trabalho existentes, recebem os meios para se deslocar e resolvem como se alojar e como se empregar inicialmente por meio de suas relações sociais primárias com emigrantes anteriores (MacDonald e MacDonald, 1964, p. 82)” . Disponível em: <https://goo.gl/AuoFVa>

 

[2] Fundamentada no postulado de convivência harmônica e pacífica das três raças – branco, negro e índio – que formaram o país, o conceito de democracia racial se populariza a partir da proposição do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre.

 

[3] Um dos termos empregados para enfatizar a redução das distâncias e a relação cada vez mais estreita entre as posições de  produtor e consumidor nos espaços das mídias digitais, especialmente a internet.

 

[4] Para aprofundamento destas questões, há artigos reunidos no livro Diásporas, migrações, tecnologias de comunicação e identidades transnacionais

[5] Sobre web diáspora, os artigos Comunity uses of webradio in the transnational migratory context, de autoria de Mohammed Elhajji e João Paulo Malerba; e Migrações e usos sociais do Facebook: uma aproximação à webdiáspora senegalesa no Rio grande do sul, de autoria de Liliane Brignol e Nathália Costa. 

[6] Exemplos são Españoles em BrasilA Nova Geração de Patrícios no Brasil; Haitianos no Brasil; Haitien Porto Velho Brasil . Haitianos em São Paulo!;  Associação  dos  Trabalhadores Hatianos em São Paulo ;

[7] Um exemplo é o site Migramundo.

[8] Centro de acolhida de imigrantes situado no centro de São Paulo.

[9] Um dos mais importantes prêmios na área de jornalismo, anistia e direitos humanos do Brasil.   

[10] “Warmis” significa mulheres na língua indígena quéchua.

[11] O coletivo permite também a participação de pessoas de outras origens. Dentre as atuais integrantes do grupo, estão uma estadunidense e um brasileiro, único homem.

[11] Sobre estudo do coletivo Warmis,  o artigo Ativismos e usos de TICS por mulheres migrantes latino-americanas: o caso do coletivo de base Warmis, feito por mim e pela Natália Alles, doutora em Ciências da Comunicação, e se encontra no livro Migrações sul-sul, publicado pela Nepo/Unicamp em 2018.

[12] Sobre estudo do coletivo Warmis, o artigo Ativismos e usos de TICS por mulheres migrantes latino-americanas: o caso do coletivo de base Warmis, feito por mim e pela Natália Alles, doutora em Ciências da Comunicação, e se encontra no livro Migrações sul-sul, publicado pela Nepo/Unicamp em 2018. Disponível em: http://www.nepo.unicamp.br/publicacoes/livros/migracoes_sul_sul/migracoes_sul_sul.pdf 

PARA SABER MAIS

CASTELLS, Manuel. Comunicación y Poder. Madrid: Alianza Editorial, 2010.

 

COGO, Denise. Comunicação e migrações transnacionais: o Brasil (re)significado em redes migratórias de haitianos. Revista de Estudos Universitários. n. 40, v 2, p. 233-257, dez. 2014. Disponível em: < https://goo.gl/4zCWGx> Acessado em: 21 jun. 2017.

COGO, Denise; BADET, Maria. Guia das migrações transnacionais e diversidade cultural para comunicadores – Migrantes no Brasil. Bellaterra: Institut de la Comunicación-UAB/Instituto Humanitas – Unisinos, 2013. Disponível em:
<goo.gl/4gvlFJ>._Bellaterra_InCom-UAB_IHU_2013. Acessado em: 14 jan. 2018.

COGO, Denise, BRIGNOL, Liliane Dutra. Redes sociais e os estudos de recepção na internet. Matrizes. v. 4, n. 2, p. 75-92, jan-jun 2011. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=143018637005 Acesso em: 31 out 2018.

GOHN, Maria da Glória; BRINGEL, Breno (orgs). Movimentos sociais na era global.    Petrópolis: Vozes, 2012.

GUARNIZO, Luiz. E. Aspectos económicos del vivir transnacional. Colombia Internacional. n. 59, p. 12-47,  jun-enero 2004. Disponível em: <https://goo.gl/LK4AGZ> Acessado em: 14 jan. 2018.

HAESBAERT, Rogerio. O mito da desterritorialização. Do “Fim dos Territórios” à Multiterritorialidade. 3ª ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2007.

PORTES, Alejandro. Convergências teóricas e dados empíricos no estudo do transnacionalismo imigrante. Revista Crítica de Ciências Sociais. n. 69. p.73-93, 2004. Disponível em: < https://goo.gl/4M68Pv> Acessado em: 18 out 2018.

RECUERO, Raquel. A conversação em rede – comunicação mediada pelo computador e redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2012.

 

SASAKI, Elisa Massae; ASSIS, Glaucia de Oliveira. Teoria das Migrações internacionais. Anais do XII Encontro Nacional da ABEP 2000. Caxambu, out. 2000. Disponível em: <https://goo.gl/1fea7Q>. Acessado em: 17 outubro 2018.

A AUTORA

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Denise Cogo é professora Titular do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), onde coordena o grupo de pesquisa Deslocar. Pesquisadora Produtividade Nível 1D do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico). Coordena o projeto Plataforma de Mídias de Imigrantes de São Paulo em parceria com o Museu da Imigração em São Paulo. Atualmente, é bolsista BPE da FAPESP (Fundação de Amparo è Pesquisa do Estado de São Paulo), atuando como pesquisadora visitante no Instituto de la Comunicación (InCom) na UAB.

CV online: http://lattes.cnpq.br/5580285310605978

E-mail: denisecogo2@gmail.com

COMO CITAR ESSE TEXTO

COGO, Denise. Redes migratórias transnacionais e comunicação cidadã. Coletiva, Recife, v 23, ago/set/out/nov2018. Disponível em https://www.coletiva.org/dossie-migracoes-recentes-e-refugio-no-brasil-n23-artigo-redes-migratorias-transnacionais. ISSN 2179-1287.

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